domingo, 28 de junho de 2009

Teoria da relatividade

Um dia cruzaremos
a estratosfera a velocidade super-sónica.
Um dia seremos
Assim luminosos. partículas de energia.

Um dia combinamos
um encontro na poeira cósmica.
Ou simplesmente chocamos?

(Porque faz falta
outro Big Bang)

Entretanto
acredito.
Em constelações.
Estrelas cadentes.
Meteoros.

E na teoria da explosão.

Em busca da troca verdadeira

"E não tem medo da morte? Tenho, ao raiar do dia.
Nasceu, então o primeiro riso entre nós."

Maria Gabriela Llansol

Troca

Da montanha para a praia.

Pintassilgos matinais por pios de gaivota.
Picadas de urtiga por grãos de areia na cueca.
O mar!
As ondas o sal o ritmo
das ondas no silêncio.
Troco.

(mas não aceito?)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Estio

Aliocha parou de contar amantes no final da Primavera.
Porque se cansou de amar tão intensamente de forma temporária ou, principalmente, porque se lhe esgotaram os dedos.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Rapidinha

Na esquina da minha rua
Uma prostituta de vermelho
Faz palavras cruzadas
Para matar o tempo.

Caso

Foi trazida por desorientação. Porém, manifestou ansiedade pela ausência dos familiares cuspindo em três tempos o diazepam sublingual recentemente administrado.
Deu-se este caso.

Neblina matinal

Ontem chegámos cansados e suados da Babilónia e ainda não sabemos o que fazer para atravessar a neblina.
Havia de ter nascido pássaro. Ao invés, sou felino e tenho a boca cheia de penas.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Sem acordo com sotaque

Bola de gude.
Trem-bala.
Bondinho.
Sinhá.

As palavras que bastam para se gostar do Brasil.
(país tropical onde os poetas podem ser felizes)

Tira meleca do nariz pra não borrar tudo o que diz.
Não vai por aí cutucar onça com vara curta.
Aceita um café?

Alisar bundinhas.
Agora isso... Só de sacanagem.

(entre)

Sofro
da descrença. da perfídia.
de quem leu
O Crime do Padre Amaro
na primeira década
de vida.

Raro menino caro

O menino tem sede.
Damos de beber ao menino
E gozamos do gozo
De como é fácil
saciar a sede do menino.

O menino chora.
É manha ou fralda molhada?
E gozamos do gozo
De como é fácil
calar o choro do menino.

Menino raro
Que não é um homem
Mas um pobre rapaz-menino
Caro menino raro.

Tem joelhos turbulentos
Que denunciam
Uma infância esfolada
Raro menino caro.

Cerâmica

"Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador."

Carlos Drummond de Andrade, Tentativa de Exploração e de Interpretação de Estar-no-Mundo"

Minina gorrda

Para o Luís.

"Esta menina gorda, gorda, gorda,
Tem um pequenino coração sentimental.
Seu rosto é redondo, redondo, redondo;
Toda ela é redonda, redonda, redonda,
E os olhinhos estão lá no fundo a brilhar.

É menina e moça. Terá quinze anos?
Umas velhas amigas de sua mamãe
Dizem sempre que a encontram, num êxtase longo:
“Como esta menina está gorda, bonita!”
“Como esta menina está gorda, bonita!”
E ela ri de prazer. Seu rosto redondo
Esconde os olhinhos no fundo, a brilhar.

Às vezes no quarto,
Diante do espelho;
Ao ver-se tão gorda, tão gorda, tão gorda,
Ela pensa nas velhas amigas de sua mamãe
E também num rapaz
Que a olha sorrindo,
Quando toda manhã ela vai para a escola:
“– Ele gosta de mim… Ele gosta de mim.
Eu sou gorda, bonita…”
E os dedos gordinhos pegando nas tranças
Têm carícias ingénuas
Diante do espelho."

Rui Ribeiro Couto

Espécie de começo

"____eu nasci em 1931, no decurso da leitura silenciosa de um poema. Só havia tecidos espalhados pelo chão da casa, as crenças ingénuas de minha mãe. Estavam igualmente presentes as páginas que os leitores haveriam de tocar (como a uma pauta de música), apenas com o instrumento da sua voz. Eu fui profundamente desejada. Profundamente mal desejada e com amor.
- A voz está sozinha- disse minha mãe, ainda eu estava no seu ventre, a ler-me poesia.
- Não por muito tempo- responderam àquela que me iniciava na língua. E eu nasci na sequência de um ritmo.
Eu nasci para acompanhar a voz, fazê-la percorrer um caminho. De um lado a outro do percurso, não sei o que existe,
o caminho caminha,
eu deslumbro-me quando o tempo se suspende,
e me permite parar a contemplar o espaço sem tempo. "

Maria Gabriela Llansol, Onde vais drama-poesia?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Delícias claustrais

Eu acho graça a esse sotaque
e a tua gratidão pelo meu riso traduz-se em
ofertas do claustro à minha gula.

Come bolachas, rapariga
Come bolachas.

E eu recuso.
Recuso um rebolar para a redenção
num jeito de lufa que seria
menear de generosos quadris
com gosto a biscoito de côco.

Recuso.
Que freiras enclausuradas
Dêem cabo do meu projecto de
um regime quase assim
Espartano.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Política literária

"O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz."

Carlos Drummond de Andrade, Na Praça de Convites.

domingo, 7 de junho de 2009

Tempo de montanha

Por cada hipomania estival
Haverá sempre um mau humor de tempestade?

Com dias assim escuros carregamos o peso do mundo nos ombros
ou somos esmagados por esse peso sobre nós?

Apetece mesmo ir para a montanha.
(Heidi rapariga das montanhas
não passa cartão aos rapazes da planície)

Noites ao relento
Estrelas, algumas cadentes
Esterco nas unhas e nenhum verniz
Cigarras pirilampos e lobos
Aaauuuuuuh
Água gelada de rio
Pedras limosas e joelhos esfolados
Mais aquela simetria
Estrada tortuosa
Campos de trigo
E o som da ondulação do vento
Cssss Csss Csss Csss
(que é igual a um estremecimento de alma)

Nada mais que isto apetece.