domingo, 30 de agosto de 2009

Extracto de Agosto

"Agosto não é a pura palavra não é determinada designação para um tempo
onde cada uma destas coisas anualmente se encontra comigo
Agosto são talvez estas palavras todas onde me perco onde procuro pôr os meus passos
onde afinal penso que permaneço um pouco mais do que no frágil edifício dos dias
Não escrevo neste domingo de agosto onde já houve sinos
e há gestos diferentes dos mesmos gestos que fazemos nos outros dias
Estou um pouco nestas palavras na própria
palavra agosto que ponho sobre o papel
e embora aponte para agosto não é esse mês de agosto
Estou em agosto estou um pouco em agosto"

Ruy Belo

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

As horas

Tu ainda consegues acreditar
Que os rios correm sempre para o mar
Que são reais as flores postiças dos cactos
Que a luz da torre dos Clérigos
Como a da Sé do Porto
Se apaga às duas da manhã?

Tu ainda consegues acreditar
Que há o pôr-do-sol da estrada de S. Torpes
Que a bola vermelha que é o Sol de Verão às 20 horas
Faz cshhhh ao tocar no mar
Que a pista de atletismo e os testes de Cooper
Permanecem se não estiveres lá?

Tu ainda consegues acreditar
Que as horas
Em alguns dias
Passam assim
Tão devagar?

Broken thoughts

"I hurt myself today
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real

The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end

And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

I wear this crown of thorns
Upon my liar's chair
Full of broken thoughts
I cannot repair

Beneath the stains of time
The feelings disappear
You are someone else
I am still right here

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end

And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way"

terça-feira, 25 de agosto de 2009

As mãos e os frutos

(Da janela que já foi minha
A antena da Radiodifusão
A torre da igreja a par do prédio
Ar condicionado
Caca de pombo)

Da ternura que absorveste.
(Coração de manteiga)
A infiltração de gordura intramiocárdica
é altamente arritmogénica.

Das mãos e os frutos.
Das plantas.
Jardim de cidade.
(E do que mais podes fazer
para achar que
afinal
não destróis tudo aquilo
em que tocas?)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Boa notícia

Será do calor ou não, a verdade é que abundam homens bonitos.
Simpáticos, prestáveis, dedicados.
Cantantes ou passantes. Produto nacional ou importado.
Ateus ou protestantes, respeitáveis e desempregados, doutores ou educadores, vendedores de pássaros ou salteadores.
(com doses variáveis de loucura, como convém à espécie)

É Agosto. Destila-se. Descobre-se que é possível perder 2Kg só de transpiração e no exercício de uma profissão honesta.
Não calha mal uma boa notícia destas.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Montblanc

Monte Branco, Verão de 1978

porque loucos não os há, se não em língua portuguesa

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Inveja

Num dia assim, desculpa-se.
Trocava a vista para os Clérigos e árvores do Soares dos Reis
por esse quadrado ensolarado com piscina insuflável.
(brutamontes irascível e tatuado não incluído, claro)
Trocava a minha sapiência do que é uma tomografia
ou uma traqueobronquite só por não saber nada.
Um pet? Perfeitamente.
Animal de companhia.

domingo, 2 de agosto de 2009

Tributo

A Hans Castorp

Quando finalmente desceste da montanha.
Quando, sendo engenheiro,
Sem muito brilho, sem muito mérito
finalmente engenhaste.
Navios. Uma frota inteira.

Que uma compatriota de gargalhada fácil
malares ardentes e bastante sã
(os tributos de uma boa esposa)
te aconchegue as incertezas
com bons repastos
e uma aceitável prole.
Que estejas nédio mas regrado
(Não gostaria que sucumbisses
demasiado cedo
a uma apoplexia).

Que à janela no Inverno
assome em ti
o fantasma amigável
dum tocador de realejo
de alma escorreita
punhos coçados
e espírito humanista.

Que ainda à hora do repouso
Ao escutar música
fumando um Maria Mancini
sejas tomado de um estremecimento
de ar assim um pouco asnático.

E não tenhas de todo esquecido
uns certos braços roliços
um olhar transviado
do Cáucaso profundo
e uma antiga tentativa de
conversação francesa.

Que no fundo de ti
guardes ainda um pouco
de menino mimado da Vida
de joli bourgeois à la petite tache humide.
(mas que não te perturbem
excessivamente
essas lembranças)

Nem te desviem
da reaclimatação
Ao teu destino
de bom pai de família
e hamburguês respeitável.

"- Dis donc, qu´est-ce que tu penses de moi?
- C´est un sujet qui ne donne pas beaucoup à penser. Tu es un petit bonhomme convenable, de bonne famille, d´une tenue appétissante, disciple docile de ses précepteurs, et qui retournera bientôt dans les plaines, pour oublier complètement qu´il a jamais parlé en rêve ici et pour aider à rendre son pays grand et puissant par son travail honnête sur le chantier. Voilà ta photographie intime, faite sans appareil. Tu la trouves exacte, j´espère?"

--
Faz um ano que nasceu a semente deste diário da montanha.
Quando também em mim existiu uma pequena mancha húmida.

Este postal é um tributo a Thomas Mann e à Montanha Mágica, que inspirou a sua criação.

Take the A train

Um dia escapamos.
A esta crise.
Do delírio de acharmos
todos estão bem.
à realidade do cliché
estamos mal.
-É da idade.

Deixa-me guardar a tua memória.
Um dia embebedei-te
no terraço com vinho rosado.

-Eu disse
Fiz-te um funeral na minha cabeça.
Tiveste sorte. Fui simpática.
Acho que nunca terás um igual.
e eu calada. Na minha cabeça
(porque também sou muito visual)
Dos teus caracóis nasceram flores
uma viúva alegre.
Na minha cabeça
Dress sexy at my funeral, my good wife.

Um dia escapamos.
E dançamos Duke Ellington.
Às escuras numa sala vazia.
Sem sapatos
(claro)
Haverá um dedo simbólico
que aponta.

E partilhamos mais que os cigarros
que acendi para ti.
Partilhamos a crise
dos peritrinta.

De perdermos o entusiasmo
a esperança
da passagem
do passageiro
a insónia.
De não acreditarmos
em reencontros
e em nada.