sábado, 28 de setembro de 2013

Do calabouço

A sala é cápsula do tempo onde as horas não passam.
O tempo não se compadece das horas.

(relembram rugas e olheiras ao espelho
e estações furiosas à janela)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Do horror

Acordei antes da hora com o pingue pingue de inundação no meu quarto.
Corri a casa dos vizinhos em trajes caseiros para confraternização forçada.
Lá fora, o dilúvio.

Apocalypse now.
É aqui.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A perversão

A minha vizinha tem obras em casa.
Ouço as brocas e também a explicação de onde estão as chaves e a que horas chega a empregada.
Antes de sair, ainda atira "Ah! E tem cervejas no frigorífico".

A perversão de hábitos é embaraçosa. 
Por ideia pré-concebida ou simplesmente por distorção alimentar. 

É trolha:
Bebe cerveja.
São 11:00 e o dia está nublado:
Nada como uma Cristal fresquinha para trabalhar com mais vigor. 

Provavelmente também presumiu que vai arrancar a carica com os seus próprios dentes.


A inveja

Ou O pecado capital do estudante

Os vizinhos em animada tainada no terraço
e o Bob Dylan a ecoar-me na sala
onde jazo sozinha e rodeada de livros

Levam-me a prometer que dentro de umas horas
irei pela calada e sorrateira
espetar-lhes um palitinho na campainha

(e quando acordarem
sobressaltados com o trinido
e ainda ébrios
irão ler no bilhete debaixo da porta)

How does it feeeeeel?



terça-feira, 17 de setembro de 2013

O osso metafórico

Propriedades biomecânicas do osso
(ou Lições de conduta)

Bone must be stiff and able to resist deformation, making loading possible.
Bone must also be flexible to adsorb energy by deforming: to shorten and widen when compressed, and to lengthen and narrow in tension without cracking.
If bone is too brittle, the energy imposed during loading will be released by structural failure: initially by development of microcracks and then by complete fracture.
If bone is too flexible and deforms beyond its peak strain, it will also crack and fracture.


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

La femme de trente ans

Amarás
o meu nariz
brilhante
as minhas estrias
os meus pontos pretos
os meus textos
os meus achaques
e as minhas manias
e as minhas gatas
de solteirona
ou não me amarás

Adília Lopes

domingo, 8 de setembro de 2013

Saudades

Não havia problema sem solução
e sabíamos que nem todos iriam gostar.
mas pouco interessava, tua vontade
(que era nossa alegria e nem sabíamos)
Pontificava.

Moviam-se montanhas, levantavam-se mortos
numa ginástica acrobática que não poupava ninguém.
Conseguias, criteriosamente, o que querias.
Porque querer é poder.

Prática? Muito prática.
Mas o pó-de-arroz, o batom vermelho carmesim...
Como gostava!
Estou chic? - perguntavas.
Très chic - respondia enquanto enlaçavas a raposa.

No carro ias-me contando os planos, segredos nossos.
Sempre a magicar entre o Ser e o Devir.
Como estavas a organizar, como iria ser.
Sabes quem somos? - Perguntarias hoje.
Temo não saber responder-te.

Na praia os escaldões eram certos; pouco importava.
No campo, com água e sal, junto à lareira curavam-se arranhões.
Cebola de Amarante, vinagre e sal.
Bolacha Maria, manteiga e cevada para os lanches invernais.
Roast beef e até a lampreia, meu Deus!
Tudo isto é felicidade.

Já somos poucos e eu nem sei se Sou.
Resta um, certo, que hoje luta contra tudo o que nunca foi:
os próprios medos ou os medos próprios.
Que falta fazes por aqui...

Hoje tenho saudades tuas.

P.S. Também hoje a Zefa Velha começa uma nova aventura. Estou certo que continuas a mover, e a fazer mover, os nossos corações.


1 de Março de 2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

As minhas palavras ainda são as do Ruy Belo


"Agosto não é a pura palavra não é determinada designação para um tempo
onde cada uma destas coisas anualmente se encontra comigo
Agosto são talvez estas palavras todas onde me perco onde procuro pôr os meus passos
onde afinal penso que permaneço um pouco mais do que no frágil edifício dos dias
Não escrevo neste domingo de agosto onde já houve sinos
e há gestos diferentes dos mesmos gestos que fazemos nos outros dias
Estou um pouco nestas palavras na própria
palavra agosto que ponho sobre o papel
e embora aponte para agosto não é esse mês de agosto
Estou em agosto estou um pouco em agosto"

Agosto o céu ainda está carregado
e há o cheiro doutras cinzas 
que sufoca sempre um pouco
e me apoquenta o sono
Em jeito de triste recordação. 

E quando volto a casa 
de férias ou fim-de-semana
já não te procuro
agosto no sofá da sala.

Ocupei o teu lugar à mesa.
Estou em agosto.
Estou sempre um pouco em agosto.