quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Vosmecê deu sorte

Toda a culpa das
noites mal dormidas
amigos em coma
acidentados
mortes macacas
e hipersudorese matinal

Eu hei-de botá
pra vosmecê
Sargento Getúlio
matadô profissional
há já alguns dias
aterrorizando meu sono.

Sabe, seu Elevaldo, que vosmecê deu sorte de eu não estar com o ferro na mão na hora que vosmecê despontou por trás dos matos, porque se estivesse não trastejava, era tunque, tunque, tunque, tudo num lugar só? No meio da testa num buraco só, e pelaí vosmecê ia? Me olhou assim. Não gostou.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Coisa ruim

Ela prática,
que homem por perto
não seria até mau.

Mais a mais,
há sempre uma
lâmpada a trocar.

Ele habilidoso,
considerando
tocar-lhe as lâmpadas.

Não seria decerto
coisa assim
tão ruim.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Perfect guy

PHIL: (...) What are you looking for? Who is your perfect guy?
RITA: (...) He’s kind, sensitive, gentle, he’s not afraid to cry in front of me.
PHIL: This is a man we’re taking about, right?

[Bill Murray e Andie McDowell, Groundhog Day, 1993]

via Pedro Mexia, na Lei Seca.

Incipiências

M é que tem sorte.
Já viste como ri?
Ela sim, é feliz.
Bonita, eu?
Não, não.
Bonita és tu,
tu!

(adivinhava-se já tendência melodramática
manifestando-se desde 1990)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Problema

espreguiçou-se
bocejou
enrolou-se
sentada
julgou-se
um
pisa-papéis

(o problema do meu gato
é a identidade)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Café e cigarros

Vícios nocturnos permitidos
aos audazes enfrentando
bases de dados e distorções
do calendário.

Aforismo de vida

A normalidade é uma qualidade subestimada.
Escasseando, irá tornar-se cara.

Manual do bom condutor

(uma vez apaixonou-se
e sob apaixonamento agudo
embateu no carro da frente)

Regra nº1
Se conduzir não se apaixone.
Um bom condutor
nunca se apaixona.

Regra nº2
Se a condução de veículos for necessária
Apaixone-se por ligeiros
a 20 Km/ hora.

domingo, 9 de janeiro de 2011

All your women things

All your women things
All your frilly things
Scattered 'round my room
Right where you left them
When you left them
Scattered 'round my room

All your hardness
All your softness
And your mercy

All your bridges and bras
Your cotton
and gauze
All your buckles and straps
Releases and traps
All your screws
and false nails
Oriental winks
and Egyptian veils

Oh all of these things
I gathered them
And I made a dolly
I made a dolly
A spread-eagle dolly
Out of your frilly things

Why couldn't I have loved you
This tenderly
When you were here
In the flesh
So tenderly

How could I ignore
Your left breast
Your right breast

How could I ignore
Your hardness
Your softness
And your mercy

Well it's been seven years
And the thought of your name
Still makes me
Weak in the knees

How could I ignore
Your left breast
Your right breast

Smog, The doctor came at dawn

Canção "do sul do rio"

Casei com um mercador das Gargantas
Um dia e outro e eu sempre à espera -
Se adivinhasse da maré a constância
Teria casado com um rapaz do Rio. Cabriolam.

Li Yi, Uma antologia de poesia chinesa


Tributo ao sul extremo

No meio da idade amigo do caminho
Agora de velho em montes do Sul.
Quando a inspiração vem parto sozinho
Conhecer o "vácuo" que triunfa do mundo.
E assim caminho até um ponto de água
Sento-me, a subir as nuvens.
Por vezes, dou com um da floresta
Falamos rimos sem pensar na volta.

Wang Wei, Uma antologia de poesia chinesa

Um dia

Vive o homem a vida numa tigela de poeira
É como bichinhos dentro de um jarro
Todo o dia andando à volta
Nunca sai lá de dentro.
Não nos calha a ventura
Só temos em sorte desgraças.
O tempo parece um rio
Que corre. Um dia, acordamos velhos.

Han Shan, Uma antologia de poesia chinesa

Tofinho

Ámiga.

Tem marido?
(sim)
Mentira. Eu quero namorá você.
Já tenho dizoito anos.

Eu quero dar beijo.
Beijo di amôr.

Mi ricorda.
Amanhã eu volto.
Ti encontro.

(vai-te embora, rapazito
que hei-de ficar fumando
da caixa matreira
e mais de quinze não
hás-de tu ter)

Pala pala.
A fosforeira de Moçambique.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Homens

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são sítios desviados
Do lugar

Daniel Faria

Homens.
Gosto de homens.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Voto

Paz no mundo!

Quinze centímetros a mais
De cabeleira esticada
Branqueamento dentário
Implantes de silicone
Um maillot vermelho
Dois neurónios a menos

E alcançava
alguns votos
para
Miss Portugal.

As gavetas

Arrumámos o passado
engelhado
em gavetas de ternura
que não chegámos a trancar

E entre os sacos de alfazema
e as cuecas velhas
havia ainda alguns abraços e
palmadinhas nas costas.