quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Lugares mal situados

(no lugar que vai
do meu olhar atento
para a frente para cima
ao meu olhar nublado
para baixo para trás
tropeço de embaraço
nos meus defeitos
não sei o que sou 
sou um lugar
mal situado)

Interlunas

Eu não sei se vens
mas espero-te
para fumarmos
a minha melancolia
a tua ansiedade
e ainda a tristeza
dos enfeites natalícios
em cigarros

Eu não sei se vens
mas espero-te
para fumarmos
a longuíssima melancolia
temos tempo
dezembro ainda
mal começou

Eu não sei se vens
e enquanto espero
vou tomar um banho
que é o que faço
quando não sei
o que fazer


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Suicidios ejemplares

Encontrei um saco de chá que veio
da Turquia há alguns anos
de romã, acho (não falo turco)

O sabor é tão repugnante
que me parece não só não ser comestível,
como tenho dúvidas que não seja venenoso

Está frio,
vou continuar a beber o chá

Se me encontrares a espumar
enrolada em mantas
chama o 112

(e não culpes o
Vila-Matas)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Equivalências

Para o Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad,
eu não sou Terroso (como o pai) e sim
Ferreira (como a mãe)

Dª Georgina María Ferreira Oliveira
Comeram-me o último.

Troca de apelidos à parte,
consegui.

(no rodapé publicitam,
hospital sin humo)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

XXXI

A quién le puedo preguntar
qué vine hacer en este mundo?

Por qué me muevo sin querer,
por qué no puedo estar inmóvil?

Por qué voy rodando sin ruedas,
volando sin alas ni plumas,

y qué me dio por transmigrar
si viven en Chile mis huesos?

Pablo Neruda, Libro de las preguntas

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Cenas familiares

Ou Come a papa, pequeno, come a papa

Quando eu era pequena, detestava comer.
Qualquer coisa que não fosse arroz branco, ovo estrelado ou bife grelhado estava fora do cardápio.
Detestava sopa, claro.
Sobre as cenas de que era capaz para não comer, há histórias lastimáveis a contar:
Longe da censura materna, escondi-me com a minha prima debaixo da mesa num jantar formal sob condição de só voltar ao meu lugar quando me trouxessem ovos.
A minha Mãe teve sempre uma paciência enorme com a minha anorexia:
Levava-me para o quintal, sentava-me junto às árvores e distraía-me com as histórias da formiguinha rabina, com o cão e os gatos.
De guardanapo ao pescoço, eu comia tudo.
Lembro-me perfeitamente da minha Mãe me meter a comida na boca. Já não seria assim tão pequena.
Vergonhoso, eu sei.

No andar de cima,  é a hora da refeição.
Não! Não! Come! Co-mmme! Mastiga! Mastiga! Mastiga!
O miúdo chora baixinho e depois, enervado, vai subindo o tom.

(quando tiver filhos
espero ter um tico da paciência que teve a minha Mãe
para me poupar a dramas destes)

sábado, 13 de outubro de 2012

Desconsolo

Tempo cinzento
o exame que se aproxima
a passos mais largos
que a preguiça
uma virose
a menstruação
nem mesmo o carimbo de qualidade
da produção materna

Serve de consolo
para um fim-de-semana
a roer unhas
a estudar espirrar
a assoar o nariz e
sobretudo
a comer marmelada
(em vez de fazê-la)



segunda-feira, 8 de outubro de 2012

P de Portugal

Hoje o saco das compras onde eu carregava demasiadas coisas rompeu-se 
(estava-se mesmo a ver)
Nem tive tempo para me irritar com a Jerónimo Martins ou outros Ps deste país 
Que uma rapariga aninhou-se logo ao meu lado a apanhar iogurtes
e uma velhinha veio-me oferecer um saco
Está limpinho, menina, pode aceitar.

domingo, 16 de setembro de 2012

Respostas

Este é o meu país
e eu quero viver nele.

sábado, 15 de setembro de 2012

Preguntas

Se em todas as cidades espanholas existe uma praça Cólon
Isso faz dos espanhóis gente de tripa?

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Preparação para o exame

Soma-se até agora bastante pó na sala, louça suja, cabelos desalinhados e algumas dores de barriga.
Subtraídas estão três unhas das mãos e algumas horas de sono.

Contas feitas, nada a dizer senão
Balanço positivo!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Vida moderna

Há ainda muito bairro nas traseiras da minha rua trendy
Onde se ouvem raspanetes aos filhos,
trocam-se chávenas de arroz e os gatos circulam livremente
deixando um poio ou um vaso partido ocasionais

Nas traseiras da minha rua trendy, 
cantavam e guitarravam entusiasmados
When a man loves a wo...
(risos, não é bem assim)
When a man loves a (man)
(correcção em voz mais baixa)

Mulher de 30 anos

No meu caminho para a maturidade
Houve um cabelo branco que arranquei de vez
Confesso, continuo vigilante
(ainda não o vi renascer)

Ao espelho há duas rugas verticais
Persistentes no franzir do sobrolho
(besunto-as com creme todas as noites)

Já não falo nos sulcos nasogenianos
Antes conformar-me
e marcá-los com gargalhadas

São rugas de expressão, não vão desaparecer
anima m.
(encorrilhando
 a sua testa à vez)

Resta-me o consolo de alta fertilidade
Que, com ancas destas,
Hei-de ser com certeza
Uma deusa da fecundidade. 

Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
 e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny

(* ando a dedicar-me à pastelaria, que afinal é o que importa)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Pornestante

As Formigas de Boris Vian coladas
ao Coração Selvagem de Clarice Lispector.

À esquerda do primeiro, a lombada velha
de Crime e Castigo, que esta vida
não é só rambóia.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

I break horses

Well I rode out to the ocean
And the water looked like tarnished gold
I rode out on a broken horse
Who told me she'd never felt so old
She asked me if I'd feed her
And ride her now and then

No no no, no no no, no no no,

I break horses
I don't tend to them
I break horses
They seem to come to me
Asking to be broken
They seem to run to me
I break horses
Doesn't take me long
Just a few well-placed words
And their wandering hearts are gone

At first her warmth felt good between my legs

Living breathing heart-beating flesh
But soon that warmth turned to an itch
Turned to a scratch
Turned to a gash
I break horses
I don't tend to them

Tonight I'm swimming to my favorite island

And I don't want to see you swimming behind
Tonight I'm swimming to my favorite island
And I don't want to see you swimming behind
No I break horses
I don't tend to them


Smog, I break horses


 

O limbo

Depois de quase quatro meses sem me ver
O porteiro cumprimenta-me
Bom dia, sra. dra.
em vez do tradicional
Bom dia, menina

Indecisa entre ingerir raticida,
culpar a distância,
os sapatos de salto ou
os trinta anos

Eu descalço os saltos e
arrisco outra oportunidade
Bom dia
E ainda não é desta
que ponho termo à vida

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Questão de peso

A felicidade
um quilo e meio em cada coxa.

A felicidade
pesa-me.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Voz de peito

Para coitados que
(como eu)
desafinam

Recomenda o tenor
a voz de peito
(espécie de personagem secundária)

E eu despeitada
Não sei onde vá buscar o peito
Que me encha a voz.

domingo, 24 de junho de 2012

The girl with many eyes

One day in the park
I had quite a surprise.
I met a girl
who had many eyes.

She was really quite pretty
(and also quite shocking!)
and I noticed she had a mouth,
so we ended up talking.

We talked about flowers,
and her poetry classes,
and the problems she'd have
if she ever wore glasses.

It's great to now a girl
who has so many eyes,
but you really get wet
when she breaks down and cries.

Tim Burton, The Melancholy Death of Oyster Boy And Other Stories

terça-feira, 12 de junho de 2012

De acordo

Em inglês com a paciente ganesa
num discurso cheio de zzzz-zzzz
repete diversas vezes
(em inglês que por cá
é seguramente acima da média)
I´m agree I´m agree
Assim como quem diz
Je suis d´accord

segunda-feira, 11 de junho de 2012

As pombinhas e os meninos

Para C. 
(a minha Mãe)

Quando eu era tão pequena que quase não era gente
a minha Mãe vinha embalar-me com música e festinhas

A minha música preferida era a das pombinhas
Qualquer coisa como
As pombinhas vão voando
voando vão à porfia 
a ver quem chega primeiro
aos pés da Virgem Maria

Todas as vezes que eu pedia à minha Mãe para a cantar
ela respondia
Mas tu choras.
Eu prometia que não, claro.

Sempre que a minha Mãe chegava a
Foi tão grande a minha pena 
ao vê-lo tão pobrezinho
que as lágrimas dos meus olhos
lhe molharam o bercinho
eu soluçava sem parar
(ainda hoje me emociono)

Se existiu em mim crença divina
foi nesse Menino Jesus pobre através do qual a minha Mãe moldava
no meu egoísmo infantil a semente do dever da consciência social.

- Vês, Geor, há meninos que não têm brinquedos como tu, que não têm roupinhas.
- É tão triste.
- Vamos dar-lhes alguns dos teus?
- Dos meus não. Compramos uns novos. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

La France des mélanges

A senhora nonagenária ao nosso lado mastiga o kebab à velocidade que a dentadura postiça permite.
Nota-se que o lenço do pescoço é bom, já deve ter visto outros dias.
Tem o ar pouco asseado de quem tem perdido destreza para a higiene pessoal.
As meias estão rotas e os pés edemaciados mal cabem nos sapatos.
Tremelicando, do seu lugar à caixa com passagem pelo WC, demora quase meia hora.

Os turcos do balcão arrebitam-na com piadas e piropos.
Despedem-se À demain!

(E a mim o turco mais novo dos kebabs
diz
buenas noches, señorita)

 Oui, la France!

Tous les petits noms

Madame E
la dame charmante
avec qui
je maîtrise les gestes
tous les Jeudis matin

s´addresse à moi
comme
jeune fille 
mignone
ma belle
ma grande
ou même
ma petite puce

(e, no fundo,
não passo disso:
uma pulguinha)






terça-feira, 5 de junho de 2012

Les lattages

Si je devienne grande
aux hanches
La faute ne sera que
du fromage
(Chèvre!)

Les gens (en consultation) II

Mulher de meia idade, excesso de peso.
Indumentária rosa integral.
Penteado curto, eriçado com gel.
Loiro com madeixa rosa central.

Senta-se e larga em suspiro:
Hoje estou tão deprimida.


Les gens (en consultation)

- Para alguém da minha idade e que passou toda a 2ª Guerra Mundial em Paris, acha que estou mal?
- Bom, também não se pode dizer que esteja em plena forma.
- Pois, eu sei, mas não há maneira de engordar. Sabe que se for jantar ao restaurante, saio sempre com uma caixa com os restos?
- Um "doggy bag".
- Isso mesmo. Que prazer me dá ouvir falar americano. Sabe que vivi quarenta anos nos Estados Unidos? Aqui em Paris as pessoas não se respeitam, especialmente uma velha como eu. Tenho tantas saudades desse tempo. No fundo, tenho saudades sobretudo do meu marido. Se ele não tivesse morrido, não me sentiria assim deprimida.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A visita

(haja humor nos corredores)

Cena 1

Em Portugal também são adeptos da ironia?
(Talvez menos que em França)
É preciso ter cuidado, há quem não aprecie o humor irónico.
Nos Estados Unidos, por exemplo, não o suportam.
Naturalmente, não tive muito sucesso por lá.

Cena 2

(contexto: muitos homens franceses são adeptos do sapato de sola bicudo)

Tens os pés mesmo grandes, quanto calças?
47.
E ocupas o espaço todo até à ponta?
(pisa-lhe o bico para confirmar)

domingo, 20 de maio de 2012

Louvor do lixo

para a Amra Alirejsovic 
(quem não viu Sevilha não viu maravilha)

É preciso desentropiar
a casa
todos os dias
para adiar o Kaos
a poetisa é a mulher-a-dias
arruma o poema
como arruma a casa
que o terramoto ameaça
a entropia de cada dia
nos dai hoje
o pó e o amor
como o poema
são feitos
no dia a dia
o pão come-se
ou deita-se fora
embrulhado
(uma pomba
pode visitar o lixo)
o poema desentropia
o pó deposita-se no poema
o poema cantava o amor
graças ao amor
e ao poema
o puzzle que eu era
resolveu-se
mas é preciso agradecer o pó
o pó que torna o livro
ilegível como o tigre
o amor não se gasta
os livros sim
a mesa cai
à passagem do cão
e o puzzle fica por fazer
no chão

Adília Lopes

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Espírito Santo

As pombas acasalavam
na berma
do passeio.

As pombas não
eram
brancas.

(Espírito
Santo)

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A bela acordada

Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia era bonita, as pessoas diziam-lhe:
 - Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
- Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
- Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar
com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais
gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando
era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais
não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço,
estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a
mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que
pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe,
descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a
mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o
peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe
foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe
morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era
tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram
chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei
apaixonou-se pela mulher.
- Será uma sereia ? – perguntaram em coro as criadas ao
rei.
- Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito
tortas, uma mais curta do que a outra – respondeu o rei às
criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à
mulher quando as criadas se foram embora:
- Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com
uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e
comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
- Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no
tapete de Arraiolos da casa de jantar.

Adília Lopes, Obra

domingo, 15 de abril de 2012

P de país

Em muitos bâtiments
nettoyages
e casais de meia idade
Paris ainda é Portugal

(em Août desequilibram-se
os censos
em movimentos sazonais)

Questão material

Liberdade

Daremos tudo o que não nos dão
(envergonha que nos dêem tudo)
Quando tudo nos tirarem
(esta é a dádiva infinita)

Question d´une dame

Gostaria de falar de
Mme Pinto
(elle est mal à l´épaule)

Veio de Montalegre
nos anos soixante dix
(merece a pena a ternura patriótica?)

sábado, 14 de abril de 2012

A voz na palavra

Eu lamento não cantar
numa voz doce e cristalina
de brasileira
brincalhona
(cibelle)

Em vez disso
brincarei ainda com
as palavras
busco o quê
(não sei)

Abandone-se, tente tudo suavemente, não se esforce por conseguir
- esqueça completamente o que aconteceu e tudo voltará com naturalidade
(lispector)

terça-feira, 10 de abril de 2012

Territorial

assinatura
data
(preço)
em
todos os
livros

(territorial)

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Avec

Hoje sonhei que estava
très très très mal
na cheville.

(avec, vou ficar avec
e nada me resta fazer)

domingo, 8 de abril de 2012

Gare du nord

Tequillas e cervejas depois
Sorrio a duvidosos desconhecidos
Esquecendo o fundamental
Faire attention.

sábado, 31 de março de 2012

Clima continental

Passaram 12 horas de tempo
e 2 horas de distância
de um beijo

(a 15 dias de tempo
outros virão)

A previsão dá
11º de máxima
1º de mínima
para Qui 5

(11-12-13-12-13º
1-1-2-3-3º
nos seguintes)

Aos 24 Kg de mala
retirei as peças quentes
provando
sem equívoco

Não me dou bem com contas.
Não entendo o clima continental.

terça-feira, 27 de março de 2012

Printemps à Paris

A pressa levou-nos
tempo de amar mas
teremos ainda
todo o tempo
porque existe
Primavera em Paris
e também em minha casa
(que é sempre onde tu estás)

Apontamento

Do apartamento

Os abutres pilharam os mortos
mas não levaram as memórias
que eram pesadas e faltava-lhes
coluna vertebral onde as carregar
(legado esse que me serviu)

quarta-feira, 14 de março de 2012

Voluntaridado

A voluntária ao telefone:
Você quer é estar com a outra
senhora

pensa que não sei?
Está a usar-me,
a usar-me!

Observações:

A voluntária
tem um foguete
involuntário
na meia de vidro
usada

A voluntária
amiga
da Liga dos Amigos
do Hospital
não está amigada
com o senhor
do outro lado
da linha

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Grande Vaga

À Economia,
essa Grande Vaca

Em minha casa havia um livro na estante
A Grande Vaca
Mais tarde em casa duma amiga
que estudava Economia
eu vi o mesmo livro
A Grande Vaga

(o nosso tinha a lombada gasta
e estava entre O Mel e as Abelhas
e O Leite e derivados)

Cruzamentos

Eu conheci W., que gostava muito de hóstia e do santuário de Fátima, frequentava rodas de espíritas e ainda peregrinava a Braga, onde uma senhora brasileira lhe deitava as cartas, os búzios ou lhe lia a mão.
Acusando F. de ser primário e estagnado, W. recomendou-lhe que se dedicasse mais à sua espiritualidade.
F. comprou umas pedras e cristais, mas não soube o que fazer com eles, e murmurando uns oooomms, acendeu incenso. O incenso deu-lhe tosse- caralho!

Requiem por um gato

ou
O gato estava de luto

Ele teve um gato que
angustiado
se lançou do último andar
e acabou-se esborrachado
no passeio

O gato era
preto.

Pós-orquidectomia

O Romeu arrebita as orelhas
aos miados de Fevereiro
(recém-capado,
nada mais lhe resta a arrebitar)

domingo, 8 de janeiro de 2012

O pote

A felicidade é um
pote de melaço
onde enfio a pata
besunto os dedos
e lambo o beiço

(Winnie the Pooh)

Estico o dedo
pegajoso e faço
gestos obscenos
ao poeta
amargurado

(vai-te quilhar)

A felicidade é um
pote de melaço
aonde eu vou
com a sede que
me apetecer.