"Juliette Greco evoca Miles Davis, amante. Quando, anos depois, o reencontrou em Paris. Ela, alguns passos na sala, de costas, um pouco curvada, desatenta: procurar um isqueiro, encher um copo com álcool, abrir uma janela porque faz calor. E ele ri, feliz. Juliette Greco pergunta: "estás a rir, porquê?" E Miles Davis responde: " Porque reconheceria esse movimento de ancas em qualquer parte do mundo."
EPC, tudo o que não escrevi.
terça-feira, 31 de março de 2009
segunda-feira, 30 de março de 2009
Bichos
Pai, sabes que é de ti que tenho este fervor quase religioso?
Tu, de mãos em concha, a salvar abelhas de choques frontais contra os vidros da nossa sacada.
Tínhamos colmeias na cidade e também tivemos mel no campo.
Mostraste-me os bichos-de-conta e eu nunca tive medo. Nem de sapos.
Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.
Junto à nossa casa havia uma confeitaria e foi assim que conheci as baratas. No início queria apanhá-las e dar-lhes alface, eram quase grilos.
Foste tu que me explicaste que nos podem transmitir doenças, que é só de costas que parecem grilos.
Também disseste que se comesse sempre as sementes das melancias, iria crescer-me uma árvore de melancias na barriga.
E ríamos as duas. Tu do meu pensamento mágico. Eu da ideia do meu ventre a crescer com o fruto, dos ramos verdes a procurarem luz pelos meus ouvidos, pelas minhas narinas.
Eu a querer falar e em vez de palavras, folhas verdes.
A imagem da melancia nunca me deixou.
Nem o asco das baratas.
Agora que os meus vizinhos são Chineses vejo-as mais vezes.
A situação agravou-se com um conto do José Cardoso Pires, "As Baratas".
Leiam só:
Franzisko K. transformou-se assim num erudito e pertinaz despredador desta família de insectos. Blattae blattidiae, exconjuro vobis, o coeli, parecia ele congeminar, à maneira de exorcismo, quando investigava à lupa o cadáver das baratas. Estendidas de costas (era assim que a morte as deixava, de costas e na posição sacramental) as baratas tinham as patas cruzadas sobre o peito e as antenas pendentes, emurchecidas. Mas não nos iludamos, em vida aquelas criaturas mesquinhas desafiavam a tenacidade do homem: prolongavam-se para lá dele com uma indiferença suicida.
Estendidas de costas, na posição sacramental? Tive pesadelos depois disto.
Ainda agora tenho suores frios ao passar na estação dos Combatentes. Desvio o olhar e controlo o pânico.
Estúpidos painéis a armar em arte, baratas quase tridimensionais em grafismo pop.
Tornei-me impiedosa de Raid em punho. Contra as cucarachas, pulverizo pela calada da noite portas alheias.
De resto, sou bastante boazinha.
Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.
E um gato convalescente.
Tu, de mãos em concha, a salvar abelhas de choques frontais contra os vidros da nossa sacada.
Tínhamos colmeias na cidade e também tivemos mel no campo.
Mostraste-me os bichos-de-conta e eu nunca tive medo. Nem de sapos.
Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.
Junto à nossa casa havia uma confeitaria e foi assim que conheci as baratas. No início queria apanhá-las e dar-lhes alface, eram quase grilos.
Foste tu que me explicaste que nos podem transmitir doenças, que é só de costas que parecem grilos.
Também disseste que se comesse sempre as sementes das melancias, iria crescer-me uma árvore de melancias na barriga.
E ríamos as duas. Tu do meu pensamento mágico. Eu da ideia do meu ventre a crescer com o fruto, dos ramos verdes a procurarem luz pelos meus ouvidos, pelas minhas narinas.
Eu a querer falar e em vez de palavras, folhas verdes.
A imagem da melancia nunca me deixou.
Nem o asco das baratas.
Agora que os meus vizinhos são Chineses vejo-as mais vezes.
A situação agravou-se com um conto do José Cardoso Pires, "As Baratas".
Leiam só:
Franzisko K. transformou-se assim num erudito e pertinaz despredador desta família de insectos. Blattae blattidiae, exconjuro vobis, o coeli, parecia ele congeminar, à maneira de exorcismo, quando investigava à lupa o cadáver das baratas. Estendidas de costas (era assim que a morte as deixava, de costas e na posição sacramental) as baratas tinham as patas cruzadas sobre o peito e as antenas pendentes, emurchecidas. Mas não nos iludamos, em vida aquelas criaturas mesquinhas desafiavam a tenacidade do homem: prolongavam-se para lá dele com uma indiferença suicida.
Estendidas de costas, na posição sacramental? Tive pesadelos depois disto.
Ainda agora tenho suores frios ao passar na estação dos Combatentes. Desvio o olhar e controlo o pânico.
Estúpidos painéis a armar em arte, baratas quase tridimensionais em grafismo pop.
Tornei-me impiedosa de Raid em punho. Contra as cucarachas, pulverizo pela calada da noite portas alheias.
De resto, sou bastante boazinha.
Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.
E um gato convalescente.
Diário
"Em "As Asas do Desejo" de Wim Wenders, um dos momentos mais dilacerantes é aquele em que se ouve o monólogo interior de cada personagem- como um coro de súplicas solitárias. Poderá um diário ser essa espécie de duplicação invisível, o fio dessas vozes enoveladas sobre si próprias- como o interior de uma luva? E a luva, chegará um dia a ser ternura?"
Eduardo Prado Coelho, tudo o que não escrevi.
Eduardo Prado Coelho, tudo o que não escrevi.
domingo, 29 de março de 2009
Fora de horas
Fora de horas, um mês e quatro dias de diferença não é tempo suficiente para a inquietude que nos aproxima.
Somos duas mas até parecemos menos.
Os nossos olhos falam sempre mais do que queremos e os meus olhos que se fecham vêem os teus olhos que se fecham.
A estrada é sempre igual e eu luto contra o meu sono para te manter acordada.
-Conta-me como é ter um filho.
-Parece que tens um isqueiro aceso a queimar-te por baixo. Isso é a cabeça e depois já não custa nada.
(Stop)
Remediamo-nos com pouco, uma hora de descanso, café com leite e blueberry muffins.
Estou em trânsito. Não dou bons-dias e evito os espelhos. Eyeliner e olheiras.
Preciso de um banho para ser uma pessoa outra vez.
(Stop)
É Domingo, está vento. Estou de volta e os acentos também.
Obrigada pela solidariedade de uma noite em claro.
Somos duas mas até parecemos menos.
Os nossos olhos falam sempre mais do que queremos e os meus olhos que se fecham vêem os teus olhos que se fecham.
A estrada é sempre igual e eu luto contra o meu sono para te manter acordada.
-Conta-me como é ter um filho.
-Parece que tens um isqueiro aceso a queimar-te por baixo. Isso é a cabeça e depois já não custa nada.
(Stop)
Remediamo-nos com pouco, uma hora de descanso, café com leite e blueberry muffins.
Estou em trânsito. Não dou bons-dias e evito os espelhos. Eyeliner e olheiras.
Preciso de um banho para ser uma pessoa outra vez.
(Stop)
É Domingo, está vento. Estou de volta e os acentos também.
Obrigada pela solidariedade de uma noite em claro.
quinta-feira, 26 de março de 2009
Rapariga da caixa (historia rapida sem acentos)
Se eu largar as sete, tu esperas-me de Famel?
Eu de cinta demasiado descida para 0cultar a boia, partimos a velocidade possivel rumo ao fim da cidade.
Desculpa, mas nao sei se estou apaixonada. O meu coracao tropeca quando te vejo (e eu com ele) e beijo-te em bicos de pes para nao fugires. Preciso de tempo para saber: das-me uma semana, um mes, um ano?
Entretanto, pergunta-me outra coisa.
O que e que voce vai fazer Domingo a tarde?
Eu de cinta demasiado descida para 0cultar a boia, partimos a velocidade possivel rumo ao fim da cidade.
Desculpa, mas nao sei se estou apaixonada. O meu coracao tropeca quando te vejo (e eu com ele) e beijo-te em bicos de pes para nao fugires. Preciso de tempo para saber: das-me uma semana, um mes, um ano?
Entretanto, pergunta-me outra coisa.
O que e que voce vai fazer Domingo a tarde?
terça-feira, 24 de março de 2009
London calling
Smoking cigarettes with a straw hat
Would have drunk Martinis
(Will listen to them instead)
London calling
Pack my bag to 10ºC
(Warm temperature for a heart of stone)
London calling
God shave the Queen
With a Philishave machine.
Would have drunk Martinis
(Will listen to them instead)
London calling
Pack my bag to 10ºC
(Warm temperature for a heart of stone)
London calling
God shave the Queen
With a Philishave machine.
segunda-feira, 23 de março de 2009
Redenção
Nos dias em que te sinto dentro de mim,
Trato as dores alheias com compotas e sumos naturais
(e comove-me que isso te comova)
Ajudo velhinhas demenciadas,
Dou boleia a desconhecidos,
(posso até dar-lhes todo o meu dinheiro)
Ofereço todo o meu mau génio e alguns dos meus cactos
Em troca de um pouco de paciência.
Meto-me à pressa dentro de um avião
Só porque precisas de mim.
Trato as dores alheias com compotas e sumos naturais
(e comove-me que isso te comova)
Ajudo velhinhas demenciadas,
Dou boleia a desconhecidos,
(posso até dar-lhes todo o meu dinheiro)
Ofereço todo o meu mau génio e alguns dos meus cactos
Em troca de um pouco de paciência.
Meto-me à pressa dentro de um avião
Só porque precisas de mim.
Férias
Apanho banhos de sol num campo de trevos e a minha Mãe rega-me de mangueira como se fosse pequenina outra vez.
Lembrei-me de outras férias. A nadar só de sandálias e a secar-me em cima de uma pedra. Olhos fechados e era um lagarto.
E não consegui segurar as lágrimas com tantos espinhos de ouriço cravados no meu joelho a latejar. Um dia, o meu rosto foi sal, lágrimas e sardas.
Dobrila, hoje lembrei-me de ti.
Que passaste fome e foste trabalhar debaixo de bombas, enquanto a NATO não queria perceber que eram pessoas e também eram Europa ou que os ataques eram reais ou qualquer outra desculpa que ninguém entendeu.
Que não querias sorrir para a fotografia por teres os dentes estragados.
Lembrei-me de outras férias. A nadar só de sandálias e a secar-me em cima de uma pedra. Olhos fechados e era um lagarto.
E não consegui segurar as lágrimas com tantos espinhos de ouriço cravados no meu joelho a latejar. Um dia, o meu rosto foi sal, lágrimas e sardas.
Dobrila, hoje lembrei-me de ti.
Que passaste fome e foste trabalhar debaixo de bombas, enquanto a NATO não queria perceber que eram pessoas e também eram Europa ou que os ataques eram reais ou qualquer outra desculpa que ninguém entendeu.
Que não querias sorrir para a fotografia por teres os dentes estragados.
domingo, 22 de março de 2009
Nevroses
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
E agrado a poua gente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para as sopas...
O obstáculo ou depura ou torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Cesario Verde- Contrariedades.
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
E agrado a poua gente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para as sopas...
O obstáculo ou depura ou torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Cesario Verde- Contrariedades.
Dimanche après-midi II
É o Porto dos tristes. Dos casais com excesso de peso que se beijam nas paragens de autocarros. Dos indigentes e dos salteadores.
Fui resgatada da minha miséria humana dominical com pizzas e Coca-cola.
E o Jean-Paul Belmondo é um jovem ladrão de automóveis à minha espera.
Fui resgatada da minha miséria humana dominical com pizzas e Coca-cola.
E o Jean-Paul Belmondo é um jovem ladrão de automóveis à minha espera.
Dimanche après-midi
Não fumem cigarros, por favor não ouçam música.
Desliga o triciclo eléctrico, hoje não quero que jogues às limpezas nem aos polícias com o avô.
Não quero os vossos cheiros nem as vossas conversas.
Hoje queria estar só a ouvir o silêncio e dói-me este pátio colectivo.
O Porto é uma cidade sem esperança nos domingos à tarde.
Desliga o triciclo eléctrico, hoje não quero que jogues às limpezas nem aos polícias com o avô.
Não quero os vossos cheiros nem as vossas conversas.
Hoje queria estar só a ouvir o silêncio e dói-me este pátio colectivo.
O Porto é uma cidade sem esperança nos domingos à tarde.
sábado, 21 de março de 2009
Bonjour tristesse
Bonjour tristesse foi um grito a ciano num beco do Porto, um protesto num bairro de Berlim e uma história de intrigas e sedução de uma miúda adolescente.
A seguir às alturas em que já vi tudo e nada me espanta, em que sou uma velha quase decrépita sem esperança na novidade, posso ser uma pequena de olhos prontos a devorar o mundo.
Hoje tenho 26 anos e não sou nada menos que isto. Por isso, apetece-me mesmo dizer alegremente "Bonjour tristesse".
A seguir às alturas em que já vi tudo e nada me espanta, em que sou uma velha quase decrépita sem esperança na novidade, posso ser uma pequena de olhos prontos a devorar o mundo.
Hoje tenho 26 anos e não sou nada menos que isto. Por isso, apetece-me mesmo dizer alegremente "Bonjour tristesse".
Pensées, provoques et autres volutes
Entro hoje timidamente na blogosfera.
Pensées, provoques et autres volutes.
É um bom subtítulo, posso usurpá-lo.
Não garanto assiduidade, mas gostava de vos ter por perto.
Pensées, provoques et autres volutes.
É um bom subtítulo, posso usurpá-lo.
Não garanto assiduidade, mas gostava de vos ter por perto.
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