terça-feira, 29 de dezembro de 2009

No Éden

A Mulher suspira, com cefaleia.
Estava condenada à felicidade.
Até voltarem as regras.

domingo, 27 de dezembro de 2009

os cinco

"na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco. "

José Luís Peixoto, A criança em ruínas.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Misericórdia

Esquecido na minha fruteira
Restava um murcho kiwi.
Resgatei a sua solidão.
Quanta misericórdia,
Comi-o.

Voto

Antecipando o próximo ano
Eu pediria que na passagem
me soprassem rapidamente
os cem anos acumulados
e assim voltasse
lentamente
à minha idade.

Ou, quem sabe, até um pouco menos.

Estação

Sentada num banco de madeira
Via a vida passando como um comboio
Ora veloz que nem TGV
Ora resfolegando que nem regional

(Do altifalante o moço anuncia
Viagem sem retorno)

Guarda

Dependurado pelo pescoço no corrimão e sem censura
É donde ele me espia em grossos pingos
(O objecto mais incómodo
É por vezes o mais necessário)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Humphrey Bogart

"Era a cara que tinha e foi-se embora
mas nunca foi tão visto como agora
O seu olhar é água pura água
devassa-nos dá nome mesmo à mágoa
Ganhámo-lo ao perdê-lo. Não se perde um olhar
não é verdade meu irmão humphrey bogart?"

Ruy Belo

sábado, 5 de dezembro de 2009

Memória de elefante I

Eu não preciso mesmo disto.
A antiga namorada do teu antigo amor de há décadas. Dentista brasileira. Isso.
O dia de anos de fulano X, que vimos uma vez de fugida. Perfeitamente, 7 de Julho.
A tua colecção de isqueiros bic. Anos depois encontrei o castanho pequenino que faltava.
(e não consegui oferecer-to)
De verdade, tenho uma memória embaraçosa.
Reset necessita-se.
(há osteomalácias hipofosfatémicas e raquitismos independentes a querer entrar)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

L´angoisse (ou fábula angustiada)

Nasceu num dia de chuva, entre uma canção de Gainsbourg e um conto de Lispector, apresentando-se logo crescida, peituda e estrangeira, atirando de chofre num gesto de jogar o cabelo para trás:
- Não se queira meter comigo, que carrego destruição.
Como jovem audaz e um pouco tolo, ignorou os avisos tomando por inquietude ou vivacidade o que transportava como uma pedra quente a incendiar-se.
(E tentaram asfixiá-la com cigarros sucessivos, iludi-la com possibilidades de amor)
Tentaram. Mas esse sentimento que é feminino por biológica condição veio no Inverno, medrou e inçou, espalhando-se como um engolir em seco, uma salva de palpitações inesperadas ou um gosto amargo de ressaca.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Camaleónico

Muda-se de cores
para alcançar personalidade jurídica
mas mais porque chegou o Inverno.
(ainda à procura da tal fotografia séria,
aquela que não consigo tirar)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Passe-vite

Impossível não reparar no enorme gorro de leopardo falso.
Uma miúda analisa cromos da Hello Kitty.
- Tenho, tenho, tenho, tenho.
Há um muçulmano cheio de olhares de esguelha.
E ao meu lado, um português gorducho e de bigode.
Cautelosamente, passa fotografias dos membros de faixas verdes a tiracolo.
Mais demorado numa ruiva desenxovalhada, o cabelo laranja contra o fundo do campo de terra batida.
- Miss
S.C. Lagares.

É isto, chegámos ao Inverno numa viagem de metro ao fim da tarde.
Humor canino.

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
É isto, chegou Clarice Lispector.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Estrela cadente

Experimentar dispneia a grande altitude dá que pensar.
Estrela carente não serei certamente.

domingo, 22 de novembro de 2009

Lupus

The wolf, I´m afraid, is inside tearing up the place.

PS: Prayers requested. I am sick of being sick.

Cartas de Flannery O´Connery, sofredora de Lúpus Eritematoso Sistémico.

(Lupus, Latin word for wolf).

Idade madura

"As lições da infância
desaprendidas na idade madura.
Já não quero palavras
nem delas careço.
Tenho todos os elementos
ao alcance do braço.
Todas as frutas
e consentimentos.
Nenhum desejo débil.
Nem mesmo sinto falta
do que me completa e é quase sempre melancólico.

Estou solto no mundo largo.
Lúcido cavalo
com substância de anjo
circula através de mim.
Sou varado pela noite, atravesso os lagos frios,
absorvo epopéia e carne,
bebo tudo,
desfaço tudo,
torno a criar, a esquecer-me:
durmo agora, recomeço ontem".

Carlos Drummond de Andrade, Um Eu Todo Retorcido.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Instilações

A bebida alcoólica da nossa adolescência foi vodka com laranja ou limão e assim se trocaram muitos beijos, sopapos e impropérios.
Na busca da identidade, aderi ao Bacardi.
- Puro e com gelo. Uma rodela de limão.
Não durou muito. Algumas piruetas mal calculadas acabaram com o entusiasmo.
Depois das palermices dos shots e cervejas da faculdade, chegou alegremente o gin tónico.
Dizia um homem bonito estupidamente tatuado:
- Uma bebida de madurez.
Atingir o whisky com gelo em copo de balão anunciará a entrada na senilidade?

sábado, 14 de novembro de 2009

El tigre

"Soy el tigre.
Te acecho entre la hojas
anchas como lingotes
de mineral mojado.

El río blanco crece
bajo la niebla. Llegas.

Desnuda te sumerges.
Espero.

Entonces en un salto
de fuego, sangre, dientes,
de un zarpazo derribo
tu pecho, tus caderas.

Bebo tu sangre, rompo
tus miembros uno a uno.

Y me quedo velando
por años en la selva
tus huesos, tu ceniza,
inmóvil, lejos
del odio y de la cólera,
desarmado en u muerte,
cruzado por las lianas,
inmóvil en la lluvia,
centinela implacable
de mi amor asesino."

Pablo Neruda, Los versos del capitán.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Resquícios

Your problem is you don´t understand what that word means. People think a soul mate is your perfect fit, and that´s what everyone wants. But a true soul mate is a mirror, the person who shows you everything that´s holding you back , the person who brings you to your own attention so you can change your life. A true soul mate is probably the most important person you´ll ever meet, because they tear down your wall and smack you awake. But to live with a soul mate forever? Nah. Too painful. Soul mates, they come into your life just to reveal another layer of yourself to you, and then they leave. And thank God for it.

(estranho que uns nos mostrem escrito o que outros nos disseram)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Extracções

Ao escritor recorrente de Roth, ofereceram um dia dois gatitos. Que ele devolveu passadas duas semanas, não por antipatia mas exactamente pelo contrário. A distracção impossibilitava-o de escrever. A solidão é necessária à escrita.
Mas há mais na vida que nos livros, you know.

Patagónia

Deita-te de bruços sobre uma pedra
No topo da montanha a contemplar o céu.
E deixa baixar em ti a Primavera.

Mas não te emociones em demasia.
Nesta volatilidade de estações
Não tarda voltará o nevão.

Abdica. E sê rei de ti próprio.

Quase no final do mundo, há um jornal com o insólito nome El pingüino. El diario de la gente.
E houve quilómetros de desolação até chegarmos enfim ao parque natural.

domingo, 8 de novembro de 2009

Nerudario

"Por mi parte,
soy o creo ser duro de nariz,
mínimo de ojos,
escaso de pelos en la cabeza,
creciente de abdomen,
largo de piernas,
ancho de suelas,
amarillo de tez,
generoso de amores,
imposible de cálculos,
confuso de palabras,
tierno de manos,
lento de andar,
inoxidable de corazón,
aficionado a estrellas, mareas, terremotos,
admirador de escarabajos,
caminante de arenas,
torpe de instituciones,
chileno a perpetuidad,
amigo de mis amigos,
mudo para enemigos,
entrometido entre pájaros,
mal educado en casa,
tímido en los salones,
audaz en la soledad,
arrepentido sin objeto,
horrendo administrador,
navegante de boca,
yerbatero de la tinta,
discreto entre animales,
afortunado en nubarrones,
investigador en mercados,
oscuro en las bibliotecas,
melancólico en las cordilleras,
incansable en los bosques,
lentísimo de contestaciones,
ocurrente años después,
vulgar durante todo el año,
resplandeciente con mi cuaderno,
monumental de apetito,
tigre para dormir,
sosegado en la alegría,
inspector de cielo nocturno,
trabajador invisible,
desordenado, persistente,
valiente por necesidad,
cobarde sin pecado,
soñoliento de vocacíon,
amable de mujeres,
activo por padecimiento,
poeta por maldicíon y tonto de capirote."

Auto-retrato, Pablo Neruda.

sábado, 17 de outubro de 2009

Questão de idade

- A menina tem uns olhos maravilhosos.
Enquanto houver octagenárias engelhadas a elogiar-nos, vale a pena.
- E dentes.
Sorrir.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Homens













Dos famosos que aprecio,
Há os velhos, os mortos e o Garrel.
Para enfrentar a escassez,
Necessitam-se novos ícones.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

1301

Lençóis brancos, assim um pouco ásperos de lavados.
Veste-se um ar ensonado e umas cuecas velhas. Ar lânguido e morno de gato.
- Qual é a coisa que mais gostas de fazer ao chegar a um hotel?
- Abrir as janelas.
Não é Tóquio. É a nova ponte, o rio e um dia de nevoeiro.
- Tudo o que consegues ver da janela panorâmica?
Começa-se a achar graça à impessoalidade. Passos na alcatifa não deixam marcas. Existimos aqui mas só até ao check-out porque depois vem uma senhora que limpa esfrega e desinfecta até desaparecerem todos os vestígios do eu.
- Como se morrêssemos.
Não. Isso é diferente. Aí talvez haja quem se engane e ache que estás cá.
Que por existir tanto de ti se distraia e pergunte então, correu-te bem o dia? e ao aperceber-se do insólito, se perca e vá envelhecendo um pouco, pelo menos da parte do coração.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pos(h)ta

Nesse sítio onde te encontras, vejo as tuas novas fotografias. As mãos nos bolsos, o sorriso conciliador, novo corte de cabelo. E no lugar onde as tuas pestanas de cima se entrelaçam com as de baixo, ainda me pareces triste.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Promessa

Hei-de estar em Lisboa no fim-de-semana prolongado para um evento científico liricamente apelidado de Jornadas de Outono.

(A trovoada atingiu-me como um raio.
Sim, eu preciso mesmo de férias)

sábado, 26 de setembro de 2009

As duas estações

No tempo em que ainda havia estações, eu invejei longamente um amigo que nasceu no primeiro dia da Primavera. Agora não. Se houvesse estações e eu pudesse escolher, nascia no Outono e morria na Primavera.
Anualmente.

(é que eu que sou de Verão estou cada vez mais nos intermédios, no cair e no rebentar da folha)
Até aos 30 tens a estação que deus te deu, depois tens a que mereces?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Telepatia

Eu, que quase não acredito em nada.
Ando com telepatia.
(apanhei a telepatia como uma constipação)
É muito misticismo para uma pessoa só.
(atchim?!)

Aforismo de deitar por cama

Diz-me com quem dormes, dir-te-ei quem és.
Mas quem és tu afinal quando não dormes com ninguém?

domingo, 20 de setembro de 2009

Requiem por um badego

Assim se finou sem um pio
Um passarito pardo
Estrangulado nos feitios
De uma cadeira de verga.

sábado, 19 de setembro de 2009

This is work

Conversa de corredor. discutir o SNS português e internacional. a injustiça do prémio Nobel da Literatura. penteados.
(até aqui chegou o descontentamento por uma estúpida franja)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Primeiro postal de Outono

Eu hei-de entrar no Outono como uma planície devastada pela insolência do Verão.
Eu hei-de entrar no Outono de mansinho e com um coração indisciplinado.
Ou então há-de ser o Outono a entrar em mim.
Como uma melancolia calma da velhice.

Eu hei-de entrar de mãos vazias e com promessas.
Este Outono seremos para sempre pássaros indefesos.
Desolados por altas temperaturas.
E desolação não é sinónimo de desalento.

Eu hei-de entrar no Outono rapidamente.
Antes mesmo da sua chegada.
Com uma Amélie perplexa a espiar-me de algures.
De um espelho embaciado de vapores.

Eu já entrei no Outono.
(Com Histórias do Bom Deus
Ou qualquer engodo semelhante)

O pessimismo de Antero é mais alegre que o
seu optimismo e a sua fé mais desoladora do
que a sua descrença.
Fernando Pessoa

domingo, 30 de agosto de 2009

Extracto de Agosto

"Agosto não é a pura palavra não é determinada designação para um tempo
onde cada uma destas coisas anualmente se encontra comigo
Agosto são talvez estas palavras todas onde me perco onde procuro pôr os meus passos
onde afinal penso que permaneço um pouco mais do que no frágil edifício dos dias
Não escrevo neste domingo de agosto onde já houve sinos
e há gestos diferentes dos mesmos gestos que fazemos nos outros dias
Estou um pouco nestas palavras na própria
palavra agosto que ponho sobre o papel
e embora aponte para agosto não é esse mês de agosto
Estou em agosto estou um pouco em agosto"

Ruy Belo

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

As horas

Tu ainda consegues acreditar
Que os rios correm sempre para o mar
Que são reais as flores postiças dos cactos
Que a luz da torre dos Clérigos
Como a da Sé do Porto
Se apaga às duas da manhã?

Tu ainda consegues acreditar
Que há o pôr-do-sol da estrada de S. Torpes
Que a bola vermelha que é o Sol de Verão às 20 horas
Faz cshhhh ao tocar no mar
Que a pista de atletismo e os testes de Cooper
Permanecem se não estiveres lá?

Tu ainda consegues acreditar
Que as horas
Em alguns dias
Passam assim
Tão devagar?

Broken thoughts

"I hurt myself today
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real

The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end

And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

I wear this crown of thorns
Upon my liar's chair
Full of broken thoughts
I cannot repair

Beneath the stains of time
The feelings disappear
You are someone else
I am still right here

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end

And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way"

terça-feira, 25 de agosto de 2009

As mãos e os frutos

(Da janela que já foi minha
A antena da Radiodifusão
A torre da igreja a par do prédio
Ar condicionado
Caca de pombo)

Da ternura que absorveste.
(Coração de manteiga)
A infiltração de gordura intramiocárdica
é altamente arritmogénica.

Das mãos e os frutos.
Das plantas.
Jardim de cidade.
(E do que mais podes fazer
para achar que
afinal
não destróis tudo aquilo
em que tocas?)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Boa notícia

Será do calor ou não, a verdade é que abundam homens bonitos.
Simpáticos, prestáveis, dedicados.
Cantantes ou passantes. Produto nacional ou importado.
Ateus ou protestantes, respeitáveis e desempregados, doutores ou educadores, vendedores de pássaros ou salteadores.
(com doses variáveis de loucura, como convém à espécie)

É Agosto. Destila-se. Descobre-se que é possível perder 2Kg só de transpiração e no exercício de uma profissão honesta.
Não calha mal uma boa notícia destas.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Montblanc

Monte Branco, Verão de 1978

porque loucos não os há, se não em língua portuguesa

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Inveja

Num dia assim, desculpa-se.
Trocava a vista para os Clérigos e árvores do Soares dos Reis
por esse quadrado ensolarado com piscina insuflável.
(brutamontes irascível e tatuado não incluído, claro)
Trocava a minha sapiência do que é uma tomografia
ou uma traqueobronquite só por não saber nada.
Um pet? Perfeitamente.
Animal de companhia.

domingo, 2 de agosto de 2009

Tributo

A Hans Castorp

Quando finalmente desceste da montanha.
Quando, sendo engenheiro,
Sem muito brilho, sem muito mérito
finalmente engenhaste.
Navios. Uma frota inteira.

Que uma compatriota de gargalhada fácil
malares ardentes e bastante sã
(os tributos de uma boa esposa)
te aconchegue as incertezas
com bons repastos
e uma aceitável prole.
Que estejas nédio mas regrado
(Não gostaria que sucumbisses
demasiado cedo
a uma apoplexia).

Que à janela no Inverno
assome em ti
o fantasma amigável
dum tocador de realejo
de alma escorreita
punhos coçados
e espírito humanista.

Que ainda à hora do repouso
Ao escutar música
fumando um Maria Mancini
sejas tomado de um estremecimento
de ar assim um pouco asnático.

E não tenhas de todo esquecido
uns certos braços roliços
um olhar transviado
do Cáucaso profundo
e uma antiga tentativa de
conversação francesa.

Que no fundo de ti
guardes ainda um pouco
de menino mimado da Vida
de joli bourgeois à la petite tache humide.
(mas que não te perturbem
excessivamente
essas lembranças)

Nem te desviem
da reaclimatação
Ao teu destino
de bom pai de família
e hamburguês respeitável.

"- Dis donc, qu´est-ce que tu penses de moi?
- C´est un sujet qui ne donne pas beaucoup à penser. Tu es un petit bonhomme convenable, de bonne famille, d´une tenue appétissante, disciple docile de ses précepteurs, et qui retournera bientôt dans les plaines, pour oublier complètement qu´il a jamais parlé en rêve ici et pour aider à rendre son pays grand et puissant par son travail honnête sur le chantier. Voilà ta photographie intime, faite sans appareil. Tu la trouves exacte, j´espère?"

--
Faz um ano que nasceu a semente deste diário da montanha.
Quando também em mim existiu uma pequena mancha húmida.

Este postal é um tributo a Thomas Mann e à Montanha Mágica, que inspirou a sua criação.

Take the A train

Um dia escapamos.
A esta crise.
Do delírio de acharmos
todos estão bem.
à realidade do cliché
estamos mal.
-É da idade.

Deixa-me guardar a tua memória.
Um dia embebedei-te
no terraço com vinho rosado.

-Eu disse
Fiz-te um funeral na minha cabeça.
Tiveste sorte. Fui simpática.
Acho que nunca terás um igual.
e eu calada. Na minha cabeça
(porque também sou muito visual)
Dos teus caracóis nasceram flores
uma viúva alegre.
Na minha cabeça
Dress sexy at my funeral, my good wife.

Um dia escapamos.
E dançamos Duke Ellington.
Às escuras numa sala vazia.
Sem sapatos
(claro)
Haverá um dedo simbólico
que aponta.

E partilhamos mais que os cigarros
que acendi para ti.
Partilhamos a crise
dos peritrinta.

De perdermos o entusiasmo
a esperança
da passagem
do passageiro
a insónia.
De não acreditarmos
em reencontros
e em nada.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O Minho

"Vila Nova de Famalicão, 1 de Janeiro de 1889

EXPEDIENTE

Tomamos a liberdade de enviar o nosso jornal a muitos cavalheiros, sem previamente os consultarmos, na convicção de que aquelles a quem nos dirigimos se dignarão acceita-lo benevolamente.
Se algum d´elles, porem, entender que «O Minho» não merece a sua valiosissima protecção, rogamos-lhe a especial fineza de nol-o devolver antes da proxima terça feira, afim de regularisarmos a nossa escripturação. (...)

POUCAS PALAVRAS

Por uma ordem social, hoje declarada com transito de irrevogabilidade, todo o homem, desde que assenta banca na vida publica, tem que abrir aos outros o seu caderno de profissão de fé. A descer das cadeiras mais elevadas até ao banquito mais raso e mais humilde, a magestade, o governo, o parlamentar, o magistrado judicial, o cathedratico, o padre e o professor teem como primeiro dever a apresentação d´um programma.
Aquelle que entra na vida publica sem dizer aos outros o que vae fazer, desobedece às regras respeitosas da praxe. Se não programatisa è um inchoerente e um nescio.
O programa, hoje em dia, é como que um dos maiores sacramentos da humanidade. Se não data da perigrinação do Christo, vem porventura de muito próximo d´então. Foi estabelecido como uma linha de conducta para que, quando lhe desobedeçamos nos possam apontar o erro.

(...)
Não tememos nem por sonhos, que espiritos maus nos venham tolher a carreira da mais absoluta imparcialidade, nem que segredistas de chantage nos façam conduzir ao caminho do estivo e insolente. Temos uma vontade bastante firme para que possa ser quebrada por qualquer polichinelo, ou pelo maior dos azedumes.

(...)
N´este logar pouco nos importa que a pilotagem da barca do paiz esteja entregue nas mãos da regeneração ou dos progressistas, e, o que somente desejamos é que uns ou outros lhe deem direcção proveitosa e segura.

(...)
Nada mais nos resta. Fica a nossa bandeira desfraldada e nós promptos a acolher sob ella todos os combatentes.

A Redacção»

O Minho- Semanário litterario e noticioso
Redactores: Rodrigo Terroso e Joaquim Trovisqueira.

Cortesia da Biblioteca Nacional de Portugal

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Planos outonais

Hoje descobri que vou deixar os reumáticos palindrómicos ao cair da folha.
Visto o escafandro e serei gripista.
Num contentor perto de si.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Morrinhices

Num dia morrinhento que nem é verão nem é nada deixamo-nos pelo sofá, comemos quadrados de melancia de tédio, entretemo-nos com limpezas digitais e praticamos sentimentalismos no ciberespaço.
O meu pecado capital é infelizmente a preguiça.
Fui. Comprar um disco vagaroso.
(histórias tristes em que contudo não haja menção a braços quebrados à volta do seu amor)
A minha penitência pela música.

A autêntica estação

"É Verão. Vou pela estrada de sintra
por sinal pouco misteriosa à luz do dia
ao volante de um carro que não é um chevrolet
e nesse ponto apenas se perdeu a profecia
Não há luar nem sou um pálido poeta
que finja fingir a sua mais profunda emoção
Chove uma chuva que me molha os olhos
e me leva a sentir as saudades do inverno. Talvez lá faça sol
e eu sinta aflitivas saudades do verão:
uma estação na outra é a autêntica estação."

Ruy Belo

Está deste jeito o nosso Verão.
Para L.
intelectual,
a ver se voltas
de Chevrolet à terra ou então
à montanha ciberneticamente.

Abdicação

"Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.

(...)

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada?

Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio."

Ricardo Reis, Poesia

Delete. Reset. Abdica.
Colhemos os frutos e temos as mãos vazias.
E um dia olhamo-nos com olhares cheios de nada.

terça-feira, 21 de julho de 2009

On the road


Julho de 1978

domingo, 19 de julho de 2009

Vendaval em Lisboa

A máquina de café dá horas tardias a amigos confusos.
As nuvens passam pela clarabóia e dão luzes e sombras que se espiam dos lençóis.
Os passos apressados na calçada da Avenida à saída da matiné fogem do vento que levanta a saia.
- Quantos queres?
As nódoas de Super-pêssego no vestido estouvado lembram que nos fizemos na infância.
- Quantos queres?
Lisboa tem jogos de sombras no passeio que valem mais que as buzinas.
Mas não se ouvem as gaivotas.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Caos caseiro

Está provado.
Não sou fada do lar.
Desligo a máquina e
as minhas calças brancas,
pólos às riscas
e batas do ofício.
Mudaram de cor.
O meu vestido novo, de flores rosa.
Tudo tingido.
Azul celeste.
(Quando passar a irritação
Lembrar-me-ei de
teres dito que
desboto sobre os outros).
E seria isto uma metáfora.
Bastante caseira...

A par disso, o blog tem cores novas. Pinceladas de Verão.

Hora da refeição

Assumidamente declarada assim
Frutívora de Verão.
Abraçando a energia da época talvez
Homenívora tele-estival.

Predadores são presas fáceis?

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Provérbio a jeito

Da ignorância zombeteira de uma sexagenária escavacada que dormiu mal porque se encontrava pensativa.
E sorriu ostentando um dente escuro e solitário. Bastante provocativo.
Nessa boca quase lisa vale a máxima antes só que mal acompanhado.
Ou não?

Ar de mar

"Que somos nós? Navios que passam um pelo outro na noite,
Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas
E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada."

Álvaro de Campos

Num ímpeto, resolveram-se. Agora que somos pessoas um para o outro, vamos. Partilhar vidas.

Cartas de amor

" 15-8-1920
Domingo

Víbora:
Recebi a tua carta má e, na verdade, não percebo como foi que não nos encontrámos nem ontem nem antes de ontem. Diferença de relógios? Não creio, porque não notei, quer num dia, quer noutro, ao chegar à Baixa, que o meu relógio estivesse tão errado.
(...)
Em todo o caso esperar-te-ei até às 12 1/4.
Sempre e muito teu
Fernando"

Fernando Pessoa a Ofélia Queiroz

Em todo o caso,
homens e mulheres não se regem pelo mesmo tempo.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Ambivalente

A separação é sempre difícil, eu sei, mas se não há nada comum entre nós, não faz sentido continuarmos juntos, diz ele.E então ela esfrega-lhe a perna por baixo da mesa nos genitais. E num atropelamento, ele lembra-se afinal.
Que ambos gostam muito de comida indiana.

(era uma espécie de poema que ouvi na rádio e era quase assim)

Juno

A mulher de Júpiter e rainha dos deuses.
You´re a part time lover and a full time friend.
Tom pueril de frase certeira.
Amor será ter tanto e tão pouco?

domingo, 28 de junho de 2009

Teoria da relatividade

Um dia cruzaremos
a estratosfera a velocidade super-sónica.
Um dia seremos
Assim luminosos. partículas de energia.

Um dia combinamos
um encontro na poeira cósmica.
Ou simplesmente chocamos?

(Porque faz falta
outro Big Bang)

Entretanto
acredito.
Em constelações.
Estrelas cadentes.
Meteoros.

E na teoria da explosão.

Em busca da troca verdadeira

"E não tem medo da morte? Tenho, ao raiar do dia.
Nasceu, então o primeiro riso entre nós."

Maria Gabriela Llansol

Troca

Da montanha para a praia.

Pintassilgos matinais por pios de gaivota.
Picadas de urtiga por grãos de areia na cueca.
O mar!
As ondas o sal o ritmo
das ondas no silêncio.
Troco.

(mas não aceito?)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Estio

Aliocha parou de contar amantes no final da Primavera.
Porque se cansou de amar tão intensamente de forma temporária ou, principalmente, porque se lhe esgotaram os dedos.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Rapidinha

Na esquina da minha rua
Uma prostituta de vermelho
Faz palavras cruzadas
Para matar o tempo.

Caso

Foi trazida por desorientação. Porém, manifestou ansiedade pela ausência dos familiares cuspindo em três tempos o diazepam sublingual recentemente administrado.
Deu-se este caso.

Neblina matinal

Ontem chegámos cansados e suados da Babilónia e ainda não sabemos o que fazer para atravessar a neblina.
Havia de ter nascido pássaro. Ao invés, sou felino e tenho a boca cheia de penas.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Sem acordo com sotaque

Bola de gude.
Trem-bala.
Bondinho.
Sinhá.

As palavras que bastam para se gostar do Brasil.
(país tropical onde os poetas podem ser felizes)

Tira meleca do nariz pra não borrar tudo o que diz.
Não vai por aí cutucar onça com vara curta.
Aceita um café?

Alisar bundinhas.
Agora isso... Só de sacanagem.

(entre)

Sofro
da descrença. da perfídia.
de quem leu
O Crime do Padre Amaro
na primeira década
de vida.

Raro menino caro

O menino tem sede.
Damos de beber ao menino
E gozamos do gozo
De como é fácil
saciar a sede do menino.

O menino chora.
É manha ou fralda molhada?
E gozamos do gozo
De como é fácil
calar o choro do menino.

Menino raro
Que não é um homem
Mas um pobre rapaz-menino
Caro menino raro.

Tem joelhos turbulentos
Que denunciam
Uma infância esfolada
Raro menino caro.

Cerâmica

"Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador."

Carlos Drummond de Andrade, Tentativa de Exploração e de Interpretação de Estar-no-Mundo"

Minina gorrda

Para o Luís.

"Esta menina gorda, gorda, gorda,
Tem um pequenino coração sentimental.
Seu rosto é redondo, redondo, redondo;
Toda ela é redonda, redonda, redonda,
E os olhinhos estão lá no fundo a brilhar.

É menina e moça. Terá quinze anos?
Umas velhas amigas de sua mamãe
Dizem sempre que a encontram, num êxtase longo:
“Como esta menina está gorda, bonita!”
“Como esta menina está gorda, bonita!”
E ela ri de prazer. Seu rosto redondo
Esconde os olhinhos no fundo, a brilhar.

Às vezes no quarto,
Diante do espelho;
Ao ver-se tão gorda, tão gorda, tão gorda,
Ela pensa nas velhas amigas de sua mamãe
E também num rapaz
Que a olha sorrindo,
Quando toda manhã ela vai para a escola:
“– Ele gosta de mim… Ele gosta de mim.
Eu sou gorda, bonita…”
E os dedos gordinhos pegando nas tranças
Têm carícias ingénuas
Diante do espelho."

Rui Ribeiro Couto

Espécie de começo

"____eu nasci em 1931, no decurso da leitura silenciosa de um poema. Só havia tecidos espalhados pelo chão da casa, as crenças ingénuas de minha mãe. Estavam igualmente presentes as páginas que os leitores haveriam de tocar (como a uma pauta de música), apenas com o instrumento da sua voz. Eu fui profundamente desejada. Profundamente mal desejada e com amor.
- A voz está sozinha- disse minha mãe, ainda eu estava no seu ventre, a ler-me poesia.
- Não por muito tempo- responderam àquela que me iniciava na língua. E eu nasci na sequência de um ritmo.
Eu nasci para acompanhar a voz, fazê-la percorrer um caminho. De um lado a outro do percurso, não sei o que existe,
o caminho caminha,
eu deslumbro-me quando o tempo se suspende,
e me permite parar a contemplar o espaço sem tempo. "

Maria Gabriela Llansol, Onde vais drama-poesia?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Delícias claustrais

Eu acho graça a esse sotaque
e a tua gratidão pelo meu riso traduz-se em
ofertas do claustro à minha gula.

Come bolachas, rapariga
Come bolachas.

E eu recuso.
Recuso um rebolar para a redenção
num jeito de lufa que seria
menear de generosos quadris
com gosto a biscoito de côco.

Recuso.
Que freiras enclausuradas
Dêem cabo do meu projecto de
um regime quase assim
Espartano.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Política literária

"O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz."

Carlos Drummond de Andrade, Na Praça de Convites.

domingo, 7 de junho de 2009

Tempo de montanha

Por cada hipomania estival
Haverá sempre um mau humor de tempestade?

Com dias assim escuros carregamos o peso do mundo nos ombros
ou somos esmagados por esse peso sobre nós?

Apetece mesmo ir para a montanha.
(Heidi rapariga das montanhas
não passa cartão aos rapazes da planície)

Noites ao relento
Estrelas, algumas cadentes
Esterco nas unhas e nenhum verniz
Cigarras pirilampos e lobos
Aaauuuuuuh
Água gelada de rio
Pedras limosas e joelhos esfolados
Mais aquela simetria
Estrada tortuosa
Campos de trigo
E o som da ondulação do vento
Cssss Csss Csss Csss
(que é igual a um estremecimento de alma)

Nada mais que isto apetece.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Regresso

Isto é um regresso e eu vou em silêncio a ouvir com atenção o barulho da noite. Não é um regresso a casa. Eu não sei o que é casa. Sei a nossa memória. Porto, a cidade onde até os cegos atravessam no sinal vermelho. Sei que haverá gaivotas a miar-me (ou lá o que elas fazem) na varanda. Um Até amanhã! com bigode assim lançado nesta noite quente ou clara. Há qualquer coisa de tropicalmente estranho neste céu. E a tua frase bem bonita. Precisava de desabafar na minha língua.
E eu sem saber o que é casa, com isso sinto com mais força.
Hoje a minha pátria ainda é a minha língua.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Contrariedades

(na árvore dos porquês)

se há uma cabeça
entre as nuvens
porquê umas ancas
que puxam ao chão?

se há um pensamento
rápido rápido
porquê uns caracóis
vagarosos no cabelo?

se há poder de
|concentração|
porquê tantos
estragos acidentais?

se a adolescência
está mais que passada
porquê borbulhas
a melindrar-te o humor?

é melhor contra-atacar
agir depressa
isto é
a revolta do corpo.

(Para X, com graça)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

No caminho da luz

"O blog vai iluminando o caminho do seu autor.
É essa a sua virtude."

José Saramago

(ou internauta Zé)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Calcanhar de Aquiles

O meu é a pata de ganso.
(penosa fragilidade)

Não é tarde nem é cedo
para uma bengalinha.

Isso ou então ainda hei-de dar
um pé de dança
na Danceteria Arrasta-o-pé.

Grandes elogios

Cantas muito bem.
Só ainda não encontraste o teu tom.

Foi isto o maior elogio
ou
a mentira mais piedosa?

sábado, 16 de maio de 2009

Resíduo

"De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
(...)

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
-vazio- de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
(...)

Se de tudo fica um pouco,
mas porque não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
(...)"

Carlos Drummond de Andrade, Tentativa de Exploração e de Interpretação de Estar-no-Mundo

A J, que carrega o peso de ter
um coração puro

(e um pouco de mim?)

Encomenda (in)esperada

Sobre um pacote amarelo.

Entre os teus papéis
Pós de cozinhar
Pós de açúcar
(Entre tantos pós que me mandas
Poderei um dia ser acusada
de narcotráfico?)
Entre os teus papéis e pós,
Cogumelos e bilhetes
Exposições e postais
Lomofotos e Kandinsky

Uma bússola.
Para não perder o norte?

Quadrilha

"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."

Carlos Drummond de Andrade, Uma, Duas Argolinhas.

(História de amor
ou banditagem?)

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Fábula do quotidiano

O senhor da rua onde passo apressada todos os dias dá milho aos pombos e rim aos gatos.
Um dia destes, enganou-se, fartou-se, revoltou-se:
Deu milho aos gatos e rim aos pombos.
Eu? Não disse nada.
Quem se intromete na vida alheia, corre o risco de fazer parte dela.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Fora de horas II

Nós, a horas tardias, falamos.
Pela tua voz, estás recuperada.
Sim.
Eu emagreci vinte quilos.
Deixei de fumar.
Não estou mais feliz.

(gostava de poder prometer
que é a última vez que falo aqui
em doenças)

Eu queria dizer-te
que o Marlon Brando
me lembra de ti.
Transgressor
Subversivo

(e houve alturas
em que fomos um espelho
ou
projecções do mesmo
separadas no tempo)

Podemos partilhar
um certo prazer
na decadência?

terça-feira, 12 de maio de 2009

Informação nutricional

Uma couve galega
tem oito vezes mais cálcio
do que um copinho de leite.

(e um dia isto bastou
para eu ter ossos e dentes
mais fortes)

Com a saúde não se brinca.

Maladies sistémiques

Mes cheveux ont poussé
(et mes anches ont grossi)
J´ai les yeux qui brillent
On dit
C´est pour la santé...

(et malgré ça,
l´air sérieux
d´enfant fragile
me manque
toujours un peu)

sábado, 9 de maio de 2009

Processo criativo

"J´ai des doutes j´ai les affres
Hmm hmm hmm
Les affreux de la création."

Serge Gainsbourg

Na curva do horizonte

"A RAPARIGA Fica. Voltará a noite.
O VIAJANTE Vou de viagem. Não sei se chegarei, mas não posso deixar de partir.
CORO I Porque não páras?
CORO II Porque não páras?
O VIAJANTE Não vale a pena ficar sempre no mesmo sítio.
A RAPARIGA Nem quando é belo?
O VIAJANTE Nunca.
CORO I Nunca?
CORO II Nunca?

COROS I e II Mas esta noite houve qualquer coisa diferente.
O VIAJANTE Havia menos estrelas.
COROS I e II Não. Era a lua que brilhava mais.
A RAPARIGA E o meu corpo era um espelho.
CORO I Fica. Voltará a noite.
CORO II Voltará a noite.

Pausa

O VIAJANTE Tenho de andar mais.
CORO I Mas estás triste.
CORO II Estás triste.
O VIAJANTE O horizonte é uma curva.
CORO I E depois?
CORO II E depois?"

Fiama Hasse Pais Brandão, Em cada pedra um voo imóvel.

(Na curva do horizonte
andemos devagar
por causa dos enjoos)
E depois?

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Desengates

Eu não sei muitas frases de engate.

Nunca percebi como é que qualquer coisa como
Do you like my tight T-shirt?
pode juntar duas pessoas durante tantos anos.
Deve estar a escapar-me
alguma destreza sentimental.

Ou então serei mais de desengates.

As melhores frases estão em músicas.

Um Lou Reed menos fresco
A lamentar-se
Who thought this could happen to us
when we first went to bed

Não conta.
Nem casamentos falhados.

Um desengate é ligeiro
(igual a um engate só que ao contrário)

Sorry baby, but except
Bob Dylan

we have nothing in common.

(dá vontade de mandar à fava alguém
pelo prazer de uma frase assim)

É Maio e está calor?
É o tempo dos desengates.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Iruña

Ontem chegámos mesmo a Espanha.
E foram oito horas de carro só para isto.
Já não há fronteira e eu nunca gostei dos caramelos.
Gostava mesmo era do quarto andar do Inglês Cortado
e de todos os peluches que recebi.
Chicas tombadas e móteis de beira de estrada.
Já sabemos quanto custa a denúncia de não usar cinturão.
A paisagem entre nós.
Montanhas e campos.
Eu a insistir na banda sonora.
Tu a insistires no silêncio do motor.
Bananas no banco de trás.
Montanhas e campos.
Restaurante-cafetaria e camionistas.
Parece mesmo que estamos no Texas
(não fossem os chouriços dependurados às moscas
e poder fumar-se em todo o lado).

Estamos em terra de padres e seitas
mas hóstia aqui é um palavrão.
E eu nunca pensei subir tão alto como um 13º andar
mas parece que
comer especialidades claustrais
de conventos tirsenses
ajuda à ascensão.

(trabalho na minha obra de redenção
com bolachas de côco e gengibre).

terça-feira, 21 de abril de 2009

Clementine

Haverá sempre um dilúvio quando vejo
The Eternal Sunshine of the Spotless mind?
E esta vontade de pintar o cabelo cor de tangerina?
É verdade que todas as bad girls do cinema têm cabelos assim?
(a Pipi das meias altas também conta?)

Esta vontade
dessa cor
Não é nada positiva.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Technical talk

O meu olhar esgazeado
kind of
coffee-addicted
junkie
denuncia-me:
work in progress.
(Caixinha a caixinha)
Estou a fazer um poster.
Powerpoint
ou
O poder do ponto?
(Caixinha a caixinha)

E há um gato de barriga pelada
que amassa o meu tricot
e brinca com peixes de prata.

"É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela!"
Nietzsche

sábado, 18 de abril de 2009

Miopia

Pequenos equívocos
Do ser míope:
Vejo pássaros a voar,
E são sacos de plástico.
Posso ter amizades sinceras,
E não vejo que são paixões.
Eu achava
Era um homem
Mas mais perto
Só um rato.
Vi cavalos a galope
Onde estava afinal
um pónei
Com problemas
no trote.

Urgente para evitar
distorções
É consultar um Oftalmologista.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Question de genre

"Le nez, la queue, c´est exactement la même chose. On dit: «Ne fourrez pas votre nez dans mes affaires.» En fait, ça veut dire: «Ne m´enculez pas».

"J´ai deux points communs avec Mickey Mouse: de grandes oreilles et une longue queue."

"La queue c´est féminin, le con masculin.
Question de genre."

Serge Gainsbourg

Dia X

Hoje é dia de gala, fazes a***.
E eu sei que querias manter isto em segredo.
Respeito a tua vontade
(mais do que temo as tuas ameaças)

Mas é mais forte do que eu.
Celebramos em silêncio?
Deixa-me sussurrar ao teu ouvido:
P*******!

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Le feu rouge (Fogo Vermelho)

Hoje a questão é a seguinte:

- Estás a conduzir, aproximas-te de um cruzamento.
O semáforo fica vermelho.
Sabes que, se quiseres, ainda tens tempo de passar.
O que é que fazes?
- Mmmm... Acelero, arrisco o acidente?
- Não. A resposta certa é sempre a mesma.
Páras.
- Tens razão.
Não quero problemas com a lei.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Passagem de Ceuta

Já atravessámos uma fronteira a pé.
De mochila às costas e mãos vazias.

E eu vi mulheres de vestidos compridos
Que ocultam tudo
Pacotes de arroz, farinha, leite
Detergente da louça.

Vi clandestinos
Escondidos em socalcos
Em encostas de terra e de lixo.

E nunca tive medo
Que me roubassem o passaporte.

Porque eu tinha as mãos vazias.
E uma identidade tatuada mais fundo.
Inscrita dentro de mim.

Sarajevo meu amor

Tu dizes e eu não acredito.
Eu não acredito que neve em Sarajevo.

Para mim, em Sarajevo faz sempre aquele calor tórrido do Verão em que nos (des)encontramos.
Sarajevo e eu, lânguida de doença e suor, a arrastar-me entre limonadas, café com borra e gomas de açúcar.
De repente, dois estranhos.
Fotografada entre turistas, pombas e marcas de balas, Sarajevo foi para mim um não respirar de tantas sepulturas.

Tu dizes e eu não acredito.
Não neva em Sarajevo.

Mas Sarajevo é a tua cidade e não a minha.
Desta vez sou condescendente.

Deixo-te escolher o tempo.

Uma questão de meteorologia

Se eu não fosse uma pessoa assim
tão influenciável
pelas tempestades
as marés
as luas
a fome
a sede
o sono
o calor
o frio
(especialmente o frio)
e tudo o que de resto é fisiológico em mim
ou então terrestre
eu não me ralava

Mas como eu sou
uma pessoa assim
tão influenciável
hoje não posso deixar de estar muito telúrica
com esta chuva maldita.

Em dias assim
queria mesmo muito morar no deserto
(nem que fosse magrebino)
e ter como únicas tempestades
as tempestades de areia.

domingo, 12 de abril de 2009

Beethoven- curso de Inglês- Geor

Hoje ouvi-me aos três anos em fita antiga.
A contar como magoei o dedo na máquina de fazer bolos da Mãe.
- Sabes, Pai, não doeu.
Eu, a pedir:
- Vamos para a paia no tactor apanhar aquilo....
- Sargaço?
- Sim, sagaço!

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Grandes descobertas

Para além das nozes californianas e dos baldes de iogurte de baunilha do Lidl, há os pacotes de muesli.

O melhor dos muesli são as bananas secas.
(o pior são as passas)
Os muesli comem-se com iogurte natural.
Às vezes também sem mais nada.
Ciclicamente, mergulho bem fundo à cata de bananas.
Por causa da serotonina.

Esta noite sou uma revolvedora de cereais.
Em busca das bananas perdidas.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Estação do Oriente

Vamos morar numa cabana num lago na Ásia.
Seremos amantes indiscretos e a rodear-nos teremos montanhas rochosas que vão abafar os teus suspiros e as minhas gargalhadas.
Vamos comer com as mãos ou com os pés e boiar durante uma boa parte do dia sem pensar no grande nada, só seguir as nuvens.
E tu podes dar-me de presente um paradoxo: a ternura de um trompete a soprar música ao meu coração.
E eu vou ter olhos em bico que me farão parecer bastante enigmática. E poderei dar-te os nossos bebés em gritos silenciosos e eles serão gordos e rosados, cheios de saúde e de expectativas.
Vamos viver violentamente um amor calmo.

Um dia, se me chateares muito, empurro-te à traição e vais conversar com os peixinhos.

Este é o meu primeiro post sobre viagens. Talvez se sigam outros.

Parabéns

Fizeste anos e eu lembrei-me de nós.

Quando foste uma fada, vestida de branco e de varinha em riste e eu de punk, a levantar-te a saia.
Quando achava que ser punk era vestir-me de gangas com os óculos de sol da minha Mãe.
E lábios às cores.
Vermelho e preto.

Quanto tempo já passou desde que te obriguei a ir correr no parque de raquete em punho?
Atrás de rapazes.

Lembrei-me de nós.

Quando tu só sabias assobiar ao contrário.
Para dentro.

(Hoje assobiamos no escuro)

Eu a queixar-me de não gostares de gatos.
E tu, anos depois, a co-habitar.

- Mas se elas fugirem, nem penses que pego nelas.

Do teu livro preferido:
- Ariana, rapariga russa.


O teu passatempo inconfessável aos 8 anos:
-Passar a ferro.

E que já gostaste de novelas venezuelas dobradas.
- Estrelinha, a pobre coitada que cegou.

Lembrei-me de nós agora.

Eu em cinzentos.
Desintegrações cíclicas mensais.
Tu mais preto e branco.

- Massa com atum.
Na cozinha.

Dos ajustes da amizade:
- Eu aprendo a emprestar livros se tu aprenderes a emprestar filmes.

O teu risinho mordaz.
-Precisas de um harém?

O nosso riso junto quando me declarei:
- Em fase pró-homem.

Lembrei-me de ti adolescente enlevada.
Em Paris, à procura da rua onde o Jean-Paul Belmondo foi assassinado com um tiro no fundo das costas.
À queima-roupa.

- Aquela conversa de cama é maravilhosa.

Teremos tempo para chegar aos sete amantes?
Um dia vamos ter uma conversa igual.

Entretanto, tens sempre os meus chás de tudo.
Trazes-me supremas de chocolate?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Aviso à navegação

Hoje pensei na nossa conversa. Peri-patética.

-Não me faças promessas dessas.
Arranjas sarilhos na meia-idade.

Se quiseres, casamo-nos.

- Olha o que te digo.
Não te deixes enganar por ameaças de candura.

Ramos de flores aos Domingos.

- Abre o olho.
Não sou nenhum pássaro caído do ninho.

Flores silvestres?

- Desengana-te.
Eu tropeço mas não caio.

Piqueniques.

- Sou fora-da-lei.
Quase ruim.

Com sorvetes?

-Faço parte de um bando.
Um bando à parte.

330

"- Ser progressista é ser verdadeiramente um homem. E ser um homem verdadeiro é ser forte, comer bem, digerir bem, fornicar bem.
- De quem é essa opinião?
- Minha, naturalmente.
- Julguei que fosse a de um cavalo."

Vergílio Ferreira, Pensar.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Fruta da época

A situação é esta:
Decidi mudar.

Troquei a noisette por nougatine.
Bastam 30 minutos.
Tom sobre tom.

É mesmo verdade o que dizem das mulheres e os cabelos?

Tom sobre tom.

Gostes ou não.
É a fruta da época.
E a época é de Sol.

História triste sem final

Tenho dois irmãos e são a minha família.

O meu irmão mais velho é o Vasco.
Gosta muito de leituras.
Quando me vem ver, diz-me:
-Não digas a ninguém que estás doente. Põe-te bem, afasta a doença.
Ele diz-me isto e tem lágrimas nos olhos.

Sabe, as pessoas às vezes não sabem falar com os doentes.
As minhas amigas são velhas como eu, mas estão melhores do que eu.
Dizem:
- Fulano também tinha uma úlcera assim. Infectou de fora para dentro e teve que amputar a perna.

E eu não sou de cismas mas fiquei a pensar nisto e não consegui dormir.

O nosso irmão mais novo era piloto e foi o primeiro a partir.
Íamos visitá-lo e o Vasco dizia:
-Quando saires daqui, levo-te a um stand e escolhes o carro que quiseres. Eu ofereço-te.

Ele estava mesmo magrinho, mas o Vasco é assim. Não conseguia aceitar que ele nos ía deixar.

Já sofri muito. Casei-me e divorciei-me duas vezes com o mesmo homem.
Ele era como uma borboleta, de flor em flor.
Uma das amantes escrevia-me bilhetes. Sabia que era eu que lhe tratava da roupa.
Marcas de baton nas camisas, nas cuecas. E eu lavava.
Deixava-me bilhetes no bolso do casaco.
-Quem é a puta afinal? Eu passeio com ele, tu lavas e engomas.

Eu guardava os bilhetes. Achava que me podiam servir para alguma coisa. Um dia juntei-os e queimei-os todos.

Quando ele me deixou, casou-se com ela.

Hoje somos as duas viúvas.
E eu já fui tão infeliz. Só quero não ter dores.

terça-feira, 31 de março de 2009

Paris

"Juliette Greco evoca Miles Davis, amante. Quando, anos depois, o reencontrou em Paris. Ela, alguns passos na sala, de costas, um pouco curvada, desatenta: procurar um isqueiro, encher um copo com álcool, abrir uma janela porque faz calor. E ele ri, feliz. Juliette Greco pergunta: "estás a rir, porquê?" E Miles Davis responde: " Porque reconheceria esse movimento de ancas em qualquer parte do mundo."

EPC, tudo o que não escrevi.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Bichos

Pai, sabes que é de ti que tenho este fervor quase religioso?
Tu, de mãos em concha, a salvar abelhas de choques frontais contra os vidros da nossa sacada.
Tínhamos colmeias na cidade e também tivemos mel no campo.
Mostraste-me os bichos-de-conta e eu nunca tive medo. Nem de sapos.

Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.

Junto à nossa casa havia uma confeitaria e foi assim que conheci as baratas. No início queria apanhá-las e dar-lhes alface, eram quase grilos.

Foste tu que me explicaste que nos podem transmitir doenças, que é só de costas que parecem grilos.

Também disseste que se comesse sempre as sementes das melancias, iria crescer-me uma árvore de melancias na barriga.
E ríamos as duas. Tu do meu pensamento mágico. Eu da ideia do meu ventre a crescer com o fruto, dos ramos verdes a procurarem luz pelos meus ouvidos, pelas minhas narinas.
Eu a querer falar e em vez de palavras, folhas verdes.

A imagem da melancia nunca me deixou.
Nem o asco das baratas.

Agora que os meus vizinhos são Chineses vejo-as mais vezes.
A situação agravou-se com um conto do José Cardoso Pires, "As Baratas".

Leiam só:
Franzisko K. transformou-se assim num erudito e pertinaz despredador desta família de insectos. Blattae blattidiae, exconjuro vobis, o coeli, parecia ele congeminar, à maneira de exorcismo, quando investigava à lupa o cadáver das baratas. Estendidas de costas (era assim que a morte as deixava, de costas e na posição sacramental) as baratas tinham as patas cruzadas sobre o peito e as antenas pendentes, emurchecidas. Mas não nos iludamos, em vida aquelas criaturas mesquinhas desafiavam a tenacidade do homem: prolongavam-se para lá dele com uma indiferença suicida.

Estendidas de costas, na posição sacramental? Tive pesadelos depois disto.
Ainda agora tenho suores frios ao passar na estação dos Combatentes. Desvio o olhar e controlo o pânico.
Estúpidos painéis a armar em arte, baratas quase tridimensionais em grafismo pop.

Tornei-me impiedosa de Raid em punho. Contra as cucarachas, pulverizo pela calada da noite portas alheias.

De resto, sou bastante boazinha.
Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.
E um gato convalescente.

Diário

"Em "As Asas do Desejo" de Wim Wenders, um dos momentos mais dilacerantes é aquele em que se ouve o monólogo interior de cada personagem- como um coro de súplicas solitárias. Poderá um diário ser essa espécie de duplicação invisível, o fio dessas vozes enoveladas sobre si próprias- como o interior de uma luva? E a luva, chegará um dia a ser ternura?"

Eduardo Prado Coelho, tudo o que não escrevi.

domingo, 29 de março de 2009

Fora de horas

Fora de horas, um mês e quatro dias de diferença não é tempo suficiente para a inquietude que nos aproxima.
Somos duas mas até parecemos menos.
Os nossos olhos falam sempre mais do que queremos e os meus olhos que se fecham vêem os teus olhos que se fecham.
A estrada é sempre igual e eu luto contra o meu sono para te manter acordada.

-Conta-me como é ter um filho.
-Parece que tens um isqueiro aceso a queimar-te por baixo. Isso é a cabeça e depois já não custa nada.

(Stop)

Remediamo-nos com pouco, uma hora de descanso, café com leite e blueberry muffins.

Estou em trânsito. Não dou bons-dias e evito os espelhos. Eyeliner e olheiras.
Preciso de um banho para ser uma pessoa outra vez.

(Stop)

É Domingo, está vento. Estou de volta e os acentos também.
Obrigada pela solidariedade de uma noite em claro.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Rapariga da caixa (historia rapida sem acentos)

Se eu largar as sete, tu esperas-me de Famel?

Eu de cinta demasiado descida para 0cultar a boia, partimos a velocidade possivel rumo ao fim da cidade.

Desculpa, mas nao sei se estou apaixonada. O meu coracao tropeca quando te vejo (e eu com ele) e beijo-te em bicos de pes para nao fugires. Preciso de tempo para saber: das-me uma semana, um mes, um ano?

Entretanto, pergunta-me outra coisa.

O que e que voce vai fazer Domingo a tarde?

terça-feira, 24 de março de 2009

London calling

Smoking cigarettes with a straw hat
Would have drunk Martinis

(Will listen to them instead)

London calling
Pack my bag to 10ºC

(Warm temperature for a heart of stone)

London calling

God shave the Queen
With a Philishave machine.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Redenção

Nos dias em que te sinto dentro de mim,

Trato as dores alheias com compotas e sumos naturais
(e comove-me que isso te comova)
Ajudo velhinhas demenciadas,
Dou boleia a desconhecidos,
(posso até dar-lhes todo o meu dinheiro)

Ofereço todo o meu mau génio e alguns dos meus cactos
Em troca de um pouco de paciência.

Meto-me à pressa dentro de um avião
Só porque precisas de mim.

Férias

Apanho banhos de sol num campo de trevos e a minha Mãe rega-me de mangueira como se fosse pequenina outra vez.
Lembrei-me de outras férias. A nadar só de sandálias e a secar-me em cima de uma pedra. Olhos fechados e era um lagarto.
E não consegui segurar as lágrimas com tantos espinhos de ouriço cravados no meu joelho a latejar. Um dia, o meu rosto foi sal, lágrimas e sardas.

Dobrila, hoje lembrei-me de ti.
Que passaste fome e foste trabalhar debaixo de bombas, enquanto a NATO não queria perceber que eram pessoas e também eram Europa ou que os ataques eram reais ou qualquer outra desculpa que ninguém entendeu.
Que não querias sorrir para a fotografia por teres os dentes estragados.

domingo, 22 de março de 2009

Nevroses

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
E agrado a poua gente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para as sopas...

O obstáculo ou depura ou torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.


Cesario Verde- Contrariedades.

Dimanche après-midi II

É o Porto dos tristes. Dos casais com excesso de peso que se beijam nas paragens de autocarros. Dos indigentes e dos salteadores.

Fui resgatada da minha miséria humana dominical com pizzas e Coca-cola.

E o Jean-Paul Belmondo é um jovem ladrão de automóveis à minha espera.

Dimanche après-midi

Não fumem cigarros, por favor não ouçam música.
Desliga o triciclo eléctrico, hoje não quero que jogues às limpezas nem aos polícias com o avô.
Não quero os vossos cheiros nem as vossas conversas.
Hoje queria estar só a ouvir o silêncio e dói-me este pátio colectivo.
O Porto é uma cidade sem esperança nos domingos à tarde.

sábado, 21 de março de 2009

Bonjour tristesse

Bonjour tristesse foi um grito a ciano num beco do Porto, um protesto num bairro de Berlim e uma história de intrigas e sedução de uma miúda adolescente.

A seguir às alturas em que já vi tudo e nada me espanta, em que sou uma velha quase decrépita sem esperança na novidade, posso ser uma pequena de olhos prontos a devorar o mundo.
Hoje tenho 26 anos e não sou nada menos que isto. Por isso, apetece-me mesmo dizer alegremente "Bonjour tristesse".

Pensées, provoques et autres volutes

Entro hoje timidamente na blogosfera.

Pensées, provoques et autres volutes.

É um bom subtítulo, posso usurpá-lo.

Não garanto assiduidade, mas gostava de vos ter por perto.