terça-feira, 29 de dezembro de 2009
domingo, 27 de dezembro de 2009
os cinco
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco. "
José Luís Peixoto, A criança em ruínas.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Misericórdia
Restava um murcho kiwi.
Resgatei a sua solidão.
Quanta misericórdia,
Comi-o.
Voto
Eu pediria que na passagem
me soprassem rapidamente
os cem anos acumulados
e assim voltasse
lentamente
à minha idade.
Ou, quem sabe, até um pouco menos.
Estação
Via a vida passando como um comboio
Ora veloz que nem TGV
Ora resfolegando que nem regional
(Do altifalante o moço anuncia
Viagem sem retorno)
Guarda
É donde ele me espia em grossos pingos
(O objecto mais incómodo
É por vezes o mais necessário)
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Humphrey Bogart
mas nunca foi tão visto como agora
O seu olhar é água pura água
devassa-nos dá nome mesmo à mágoa
Ganhámo-lo ao perdê-lo. Não se perde um olhar
não é verdade meu irmão humphrey bogart?"
Ruy Belo
sábado, 5 de dezembro de 2009
Memória de elefante I
A antiga namorada do teu antigo amor de há décadas. Dentista brasileira. Isso.
O dia de anos de fulano X, que vimos uma vez de fugida. Perfeitamente, 7 de Julho.
A tua colecção de isqueiros bic. Anos depois encontrei o castanho pequenino que faltava.
(e não consegui oferecer-to)
De verdade, tenho uma memória embaraçosa.
Reset necessita-se.
(há osteomalácias hipofosfatémicas e raquitismos independentes a querer entrar)
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
L´angoisse (ou fábula angustiada)
- Não se queira meter comigo, que carrego destruição.
Como jovem audaz e um pouco tolo, ignorou os avisos tomando por inquietude ou vivacidade o que transportava como uma pedra quente a incendiar-se.
(E tentaram asfixiá-la com cigarros sucessivos, iludi-la com possibilidades de amor)
Tentaram. Mas esse sentimento que é feminino por biológica condição veio no Inverno, medrou e inçou, espalhando-se como um engolir em seco, uma salva de palpitações inesperadas ou um gosto amargo de ressaca.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Camaleónico
para alcançar personalidade jurídica
mas mais porque chegou o Inverno.
(ainda à procura da tal fotografia séria,
aquela que não consigo tirar)
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Passe-vite
Uma miúda analisa cromos da Hello Kitty.
- Tenho, tenho, tenho, tenho.
Há um muçulmano cheio de olhares de esguelha.
E ao meu lado, um português gorducho e de bigode.
Cautelosamente, passa fotografias dos membros de faixas verdes a tiracolo.
Mais demorado numa ruiva desenxovalhada, o cabelo laranja contra o fundo do campo de terra batida.
- Miss S.C. Lagares.
É isto, chegámos ao Inverno numa viagem de metro ao fim da tarde.
Humor canino.
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
É isto, chegou Clarice Lispector.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Estrela cadente
Estrela carente não serei certamente.
domingo, 22 de novembro de 2009
Lupus
PS: Prayers requested. I am sick of being sick.
Cartas de Flannery O´Connery, sofredora de Lúpus Eritematoso Sistémico.
(Lupus, Latin word for wolf).
Idade madura
desaprendidas na idade madura.
Já não quero palavras
nem delas careço.
Tenho todos os elementos
ao alcance do braço.
Todas as frutas
e consentimentos.
Nenhum desejo débil.
Nem mesmo sinto falta
do que me completa e é quase sempre melancólico.
Estou solto no mundo largo.
Lúcido cavalo
com substância de anjo
circula através de mim.
Sou varado pela noite, atravesso os lagos frios,
absorvo epopéia e carne,
bebo tudo,
desfaço tudo,
torno a criar, a esquecer-me:
durmo agora, recomeço ontem".
Carlos Drummond de Andrade, Um Eu Todo Retorcido.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Instilações
Na busca da identidade, aderi ao Bacardi.
- Puro e com gelo. Uma rodela de limão.
Não durou muito. Algumas piruetas mal calculadas acabaram com o entusiasmo.
Depois das palermices dos shots e cervejas da faculdade, chegou alegremente o gin tónico.
Dizia um homem bonito estupidamente tatuado:
- Uma bebida de madurez.
Atingir o whisky com gelo em copo de balão anunciará a entrada na senilidade?
sábado, 14 de novembro de 2009
El tigre
Te acecho entre la hojas
anchas como lingotes
de mineral mojado.
El río blanco crece
bajo la niebla. Llegas.
Desnuda te sumerges.
Espero.
Entonces en un salto
de fuego, sangre, dientes,
de un zarpazo derribo
tu pecho, tus caderas.
Bebo tu sangre, rompo
tus miembros uno a uno.
Y me quedo velando
por años en la selva
tus huesos, tu ceniza,
inmóvil, lejos
del odio y de la cólera,
desarmado en u muerte,
cruzado por las lianas,
inmóvil en la lluvia,
centinela implacable
de mi amor asesino."
Pablo Neruda, Los versos del capitán.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Resquícios
(estranho que uns nos mostrem escrito o que outros nos disseram)
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Extracções
Mas há mais na vida que nos livros, you know.
Patagónia
No topo da montanha a contemplar o céu.
E deixa baixar em ti a Primavera.
Mas não te emociones em demasia.
Nesta volatilidade de estações
Não tarda voltará o nevão.
Abdica. E sê rei de ti próprio.
Quase no final do mundo, há um jornal com o insólito nome El pingüino. El diario de la gente.
E houve quilómetros de desolação até chegarmos enfim ao parque natural.
domingo, 8 de novembro de 2009
Nerudario
soy o creo ser duro de nariz,
mínimo de ojos,
escaso de pelos en la cabeza,
creciente de abdomen,
largo de piernas,
ancho de suelas,
amarillo de tez,
generoso de amores,
imposible de cálculos,
confuso de palabras,
tierno de manos,
lento de andar,
inoxidable de corazón,
aficionado a estrellas, mareas, terremotos,
admirador de escarabajos,
caminante de arenas,
torpe de instituciones,
chileno a perpetuidad,
amigo de mis amigos,
mudo para enemigos,
entrometido entre pájaros,
mal educado en casa,
tímido en los salones,
audaz en la soledad,
arrepentido sin objeto,
horrendo administrador,
navegante de boca,
yerbatero de la tinta,
discreto entre animales,
afortunado en nubarrones,
investigador en mercados,
oscuro en las bibliotecas,
melancólico en las cordilleras,
incansable en los bosques,
lentísimo de contestaciones,
ocurrente años después,
vulgar durante todo el año,
resplandeciente con mi cuaderno,
monumental de apetito,
tigre para dormir,
sosegado en la alegría,
inspector de cielo nocturno,
trabajador invisible,
desordenado, persistente,
valiente por necesidad,
cobarde sin pecado,
soñoliento de vocacíon,
amable de mujeres,
activo por padecimiento,
poeta por maldicíon y tonto de capirote."
Auto-retrato, Pablo Neruda.
sábado, 17 de outubro de 2009
Questão de idade
Enquanto houver octagenárias engelhadas a elogiar-nos, vale a pena.
- E dentes.
Sorrir.
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Homens
terça-feira, 6 de outubro de 2009
1301
Veste-se um ar ensonado e umas cuecas velhas. Ar lânguido e morno de gato.
- Qual é a coisa que mais gostas de fazer ao chegar a um hotel?
- Abrir as janelas.
Não é Tóquio. É a nova ponte, o rio e um dia de nevoeiro.
- Tudo o que consegues ver da janela panorâmica?
Começa-se a achar graça à impessoalidade. Passos na alcatifa não deixam marcas. Existimos aqui mas só até ao check-out porque depois vem uma senhora que limpa esfrega e desinfecta até desaparecerem todos os vestígios do eu.
- Como se morrêssemos.
Não. Isso é diferente. Aí talvez haja quem se engane e ache que estás cá.
Que por existir tanto de ti se distraia e pergunte então, correu-te bem o dia? e ao aperceber-se do insólito, se perca e vá envelhecendo um pouco, pelo menos da parte do coração.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Pos(h)ta
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Promessa
(A trovoada atingiu-me como um raio.
Sim, eu preciso mesmo de férias)
sábado, 26 de setembro de 2009
As duas estações
Anualmente.
(é que eu que sou de Verão estou cada vez mais nos intermédios, no cair e no rebentar da folha)
Até aos 30 tens a estação que deus te deu, depois tens a que mereces?
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Telepatia
Ando com telepatia.
(apanhei a telepatia como uma constipação)
É muito misticismo para uma pessoa só.
(atchim?!)
Aforismo de deitar por cama
Mas quem és tu afinal quando não dormes com ninguém?
domingo, 20 de setembro de 2009
Requiem por um badego
Um passarito pardo
Estrangulado nos feitios
De uma cadeira de verga.
sábado, 19 de setembro de 2009
This is work
(até aqui chegou o descontentamento por uma estúpida franja)
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Primeiro postal de Outono
Eu hei-de entrar no Outono de mansinho e com um coração indisciplinado.
Ou então há-de ser o Outono a entrar em mim.
Como uma melancolia calma da velhice.
Eu hei-de entrar de mãos vazias e com promessas.
Este Outono seremos para sempre pássaros indefesos.
Desolados por altas temperaturas.
E desolação não é sinónimo de desalento.
Eu hei-de entrar no Outono rapidamente.
Antes mesmo da sua chegada.
Com uma Amélie perplexa a espiar-me de algures.
De um espelho embaciado de vapores.
Eu já entrei no Outono.
(Com Histórias do Bom Deus
Ou qualquer engodo semelhante)
O pessimismo de Antero é mais alegre que o
seu optimismo e a sua fé mais desoladora do
que a sua descrença.
Fernando Pessoa
domingo, 30 de agosto de 2009
Extracto de Agosto
Ruy Belo
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
As horas
Que os rios correm sempre para o mar
Que são reais as flores postiças dos cactos
Que a luz da torre dos Clérigos
Como a da Sé do Porto
Se apaga às duas da manhã?
Tu ainda consegues acreditar
Que há o pôr-do-sol da estrada de S. Torpes
Que a bola vermelha que é o Sol de Verão às 20 horas
Faz cshhhh ao tocar no mar
Que a pista de atletismo e os testes de Cooper
Permanecem se não estiveres lá?
Tu ainda consegues acreditar
Que as horas
Em alguns dias
Passam assim
Tão devagar?
Broken thoughts
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything
What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt
I wear this crown of thorns
Upon my liar's chair
Full of broken thoughts
I cannot repair
Beneath the stains of time
The feelings disappear
You are someone else
I am still right here
What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt
If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way"
terça-feira, 25 de agosto de 2009
As mãos e os frutos
A antena da Radiodifusão
A torre da igreja a par do prédio
Ar condicionado
Caca de pombo)
Da ternura que absorveste.
(Coração de manteiga)
A infiltração de gordura intramiocárdica
é altamente arritmogénica.
Das mãos e os frutos.
Das plantas.
Jardim de cidade.
(E do que mais podes fazer
para achar que
afinal
não destróis tudo aquilo
em que tocas?)
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Boa notícia
Simpáticos, prestáveis, dedicados.
Cantantes ou passantes. Produto nacional ou importado.
Ateus ou protestantes, respeitáveis e desempregados, doutores ou educadores, vendedores de pássaros ou salteadores.
(com doses variáveis de loucura, como convém à espécie)
É Agosto. Destila-se. Descobre-se que é possível perder 2Kg só de transpiração e no exercício de uma profissão honesta.
Não calha mal uma boa notícia destas.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Inveja
Trocava a vista para os Clérigos e árvores do Soares dos Reis
por esse quadrado ensolarado com piscina insuflável.
(brutamontes irascível e tatuado não incluído, claro)
Trocava a minha sapiência do que é uma tomografia
ou uma traqueobronquite só por não saber nada.
Um pet? Perfeitamente.
Animal de companhia.
domingo, 2 de agosto de 2009
Tributo
Quando finalmente desceste da montanha.
Quando, sendo engenheiro,
Sem muito brilho, sem muito mérito
finalmente engenhaste.
Navios. Uma frota inteira.
Que uma compatriota de gargalhada fácil
malares ardentes e bastante sã
(os tributos de uma boa esposa)
te aconchegue as incertezas
com bons repastos
e uma aceitável prole.
Que estejas nédio mas regrado
(Não gostaria que sucumbisses
demasiado cedo
a uma apoplexia).
Que à janela no Inverno
assome em ti
o fantasma amigável
dum tocador de realejo
de alma escorreita
punhos coçados
e espírito humanista.
Que ainda à hora do repouso
Ao escutar música
fumando um Maria Mancini
sejas tomado de um estremecimento
de ar assim um pouco asnático.
E não tenhas de todo esquecido
uns certos braços roliços
um olhar transviado
do Cáucaso profundo
e uma antiga tentativa de
conversação francesa.
Que no fundo de ti
guardes ainda um pouco
de menino mimado da Vida
de joli bourgeois à la petite tache humide.
(mas que não te perturbem
excessivamente
essas lembranças)
Nem te desviem
da reaclimatação
Ao teu destino
de bom pai de família
e hamburguês respeitável.
"- Dis donc, qu´est-ce que tu penses de moi?
- C´est un sujet qui ne donne pas beaucoup à penser. Tu es un petit bonhomme convenable, de bonne famille, d´une tenue appétissante, disciple docile de ses précepteurs, et qui retournera bientôt dans les plaines, pour oublier complètement qu´il a jamais parlé en rêve ici et pour aider à rendre son pays grand et puissant par son travail honnête sur le chantier. Voilà ta photographie intime, faite sans appareil. Tu la trouves exacte, j´espère?"
--
Faz um ano que nasceu a semente deste diário da montanha.
Quando também em mim existiu uma pequena mancha húmida.
Este postal é um tributo a Thomas Mann e à Montanha Mágica, que inspirou a sua criação.
Take the A train
A esta crise.
Do delírio de acharmos
todos estão bem.
à realidade do cliché
estamos mal.
-É da idade.
Deixa-me guardar a tua memória.
Um dia embebedei-te
no terraço com vinho rosado.
-Eu disse
Fiz-te um funeral na minha cabeça.
Tiveste sorte. Fui simpática.
Acho que nunca terás um igual.
e eu calada. Na minha cabeça
(porque também sou muito visual)
Dos teus caracóis nasceram flores
uma viúva alegre.
Na minha cabeça
Dress sexy at my funeral, my good wife.
Um dia escapamos.
E dançamos Duke Ellington.
Às escuras numa sala vazia.
Sem sapatos
(claro)
Haverá um dedo simbólico
que aponta.
E partilhamos mais que os cigarros
que acendi para ti.
Partilhamos a crise
dos peritrinta.
De perdermos o entusiasmo
a esperança
da passagem
do passageiro
a insónia.
De não acreditarmos
em reencontros
e em nada.
terça-feira, 28 de julho de 2009
O Minho
EXPEDIENTE
Tomamos a liberdade de enviar o nosso jornal a muitos cavalheiros, sem previamente os consultarmos, na convicção de que aquelles a quem nos dirigimos se dignarão acceita-lo benevolamente.
Se algum d´elles, porem, entender que «O Minho» não merece a sua valiosissima protecção, rogamos-lhe a especial fineza de nol-o devolver antes da proxima terça feira, afim de regularisarmos a nossa escripturação. (...)
POUCAS PALAVRAS
Por uma ordem social, hoje declarada com transito de irrevogabilidade, todo o homem, desde que assenta banca na vida publica, tem que abrir aos outros o seu caderno de profissão de fé. A descer das cadeiras mais elevadas até ao banquito mais raso e mais humilde, a magestade, o governo, o parlamentar, o magistrado judicial, o cathedratico, o padre e o professor teem como primeiro dever a apresentação d´um programma.
Aquelle que entra na vida publica sem dizer aos outros o que vae fazer, desobedece às regras respeitosas da praxe. Se não programatisa è um inchoerente e um nescio.
O programa, hoje em dia, é como que um dos maiores sacramentos da humanidade. Se não data da perigrinação do Christo, vem porventura de muito próximo d´então. Foi estabelecido como uma linha de conducta para que, quando lhe desobedeçamos nos possam apontar o erro.
(...)
Não tememos nem por sonhos, que espiritos maus nos venham tolher a carreira da mais absoluta imparcialidade, nem que segredistas de chantage nos façam conduzir ao caminho do estivo e insolente. Temos uma vontade bastante firme para que possa ser quebrada por qualquer polichinelo, ou pelo maior dos azedumes.
(...)
N´este logar pouco nos importa que a pilotagem da barca do paiz esteja entregue nas mãos da regeneração ou dos progressistas, e, o que somente desejamos é que uns ou outros lhe deem direcção proveitosa e segura.
(...)
Nada mais nos resta. Fica a nossa bandeira desfraldada e nós promptos a acolher sob ella todos os combatentes.
A Redacção»
O Minho- Semanário litterario e noticioso
Redactores: Rodrigo Terroso e Joaquim Trovisqueira.
Cortesia da Biblioteca Nacional de Portugal
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Planos outonais
Visto o escafandro e serei gripista.
Num contentor perto de si.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Morrinhices
O meu pecado capital é infelizmente a preguiça.
Fui. Comprar um disco vagaroso.
(histórias tristes em que contudo não haja menção a braços quebrados à volta do seu amor)
A minha penitência pela música.
A autêntica estação
por sinal pouco misteriosa à luz do dia
ao volante de um carro que não é um chevrolet
e nesse ponto apenas se perdeu a profecia
Não há luar nem sou um pálido poeta
que finja fingir a sua mais profunda emoção
Chove uma chuva que me molha os olhos
e me leva a sentir as saudades do inverno. Talvez lá faça sol
e eu sinta aflitivas saudades do verão:
uma estação na outra é a autêntica estação."
Ruy Belo
Está deste jeito o nosso Verão.
Para L.
intelectual,
a ver se voltas
de Chevrolet à terra ou então
à montanha ciberneticamente.
Abdicação
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
(...)
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada?
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio."
Ricardo Reis, Poesia
Delete. Reset. Abdica.
Colhemos os frutos e temos as mãos vazias.
E um dia olhamo-nos com olhares cheios de nada.
terça-feira, 21 de julho de 2009
domingo, 19 de julho de 2009
Vendaval em Lisboa
As nuvens passam pela clarabóia e dão luzes e sombras que se espiam dos lençóis.
Os passos apressados na calçada da Avenida à saída da matiné fogem do vento que levanta a saia.
- Quantos queres?
As nódoas de Super-pêssego no vestido estouvado lembram que nos fizemos na infância.
- Quantos queres?
Lisboa tem jogos de sombras no passeio que valem mais que as buzinas.
Mas não se ouvem as gaivotas.
terça-feira, 14 de julho de 2009
Caos caseiro
Não sou fada do lar.
Desligo a máquina e
as minhas calças brancas,
pólos às riscas
e batas do ofício.
Mudaram de cor.
O meu vestido novo, de flores rosa.
Tudo tingido.
Azul celeste.
(Quando passar a irritação
Lembrar-me-ei de
teres dito que
desboto sobre os outros).
E seria isto uma metáfora.
Bastante caseira...
A par disso, o blog tem cores novas. Pinceladas de Verão.
Hora da refeição
Frutívora de Verão.
Abraçando a energia da época talvez
Homenívora tele-estival.
Predadores são presas fáceis?
quinta-feira, 9 de julho de 2009
Provérbio a jeito
E sorriu ostentando um dente escuro e solitário. Bastante provocativo.
Nessa boca quase lisa vale a máxima antes só que mal acompanhado.
Ou não?
Ar de mar
Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas
E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada."
Álvaro de Campos
Num ímpeto, resolveram-se. Agora que somos pessoas um para o outro, vamos. Partilhar vidas.
Cartas de amor
Domingo
Víbora:
Recebi a tua carta má e, na verdade, não percebo como foi que não nos encontrámos nem ontem nem antes de ontem. Diferença de relógios? Não creio, porque não notei, quer num dia, quer noutro, ao chegar à Baixa, que o meu relógio estivesse tão errado.
(...)
Em todo o caso esperar-te-ei até às 12 1/4.
Sempre e muito teu
Fernando"
Fernando Pessoa a Ofélia Queiroz
Em todo o caso,
homens e mulheres não se regem pelo mesmo tempo.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Ambivalente
Que ambos gostam muito de comida indiana.
(era uma espécie de poema que ouvi na rádio e era quase assim)
Juno
You´re a part time lover and a full time friend.
Tom pueril de frase certeira.
Amor será ter tanto e tão pouco?
domingo, 28 de junho de 2009
Teoria da relatividade
a estratosfera a velocidade super-sónica.
Um dia seremos
Assim luminosos. partículas de energia.
Um dia combinamos
um encontro na poeira cósmica.
Ou simplesmente chocamos?
(Porque faz falta
outro Big Bang)
Entretanto
acredito.
Em constelações.
Estrelas cadentes.
Meteoros.
E na teoria da explosão.
Em busca da troca verdadeira
Nasceu, então o primeiro riso entre nós."
Maria Gabriela Llansol
Troca
Pintassilgos matinais por pios de gaivota.
Picadas de urtiga por grãos de areia na cueca.
O mar!
As ondas o sal o ritmo
das ondas no silêncio.
Troco.
(mas não aceito?)
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Estio
Porque se cansou de amar tão intensamente de forma temporária ou, principalmente, porque se lhe esgotaram os dedos.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Caso
Deu-se este caso.
Neblina matinal
Havia de ter nascido pássaro. Ao invés, sou felino e tenho a boca cheia de penas.
terça-feira, 16 de junho de 2009
Sem acordo com sotaque
Trem-bala.
Bondinho.
Sinhá.
As palavras que bastam para se gostar do Brasil.
(país tropical onde os poetas podem ser felizes)
Tira meleca do nariz pra não borrar tudo o que diz.
Não vai por aí cutucar onça com vara curta.
Aceita um café?
Alisar bundinhas.
Agora isso... Só de sacanagem.
Raro menino caro
Damos de beber ao menino
E gozamos do gozo
De como é fácil
saciar a sede do menino.
O menino chora.
É manha ou fralda molhada?
E gozamos do gozo
De como é fácil
calar o choro do menino.
Menino raro
Que não é um homem
Mas um pobre rapaz-menino
Caro menino raro.
Tem joelhos turbulentos
Que denunciam
Uma infância esfolada
Raro menino caro.
Cerâmica
Sem uso,
ela nos espia do aparador."
Carlos Drummond de Andrade, Tentativa de Exploração e de Interpretação de Estar-no-Mundo"
Minina gorrda
Para o Luís.
"Esta menina gorda, gorda, gorda,
Tem um pequenino coração sentimental.
Seu rosto é redondo, redondo, redondo;
Toda ela é redonda, redonda, redonda,
E os olhinhos estão lá no fundo a brilhar.
É menina e moça. Terá quinze anos?
Umas velhas amigas de sua mamãe
Dizem sempre que a encontram, num êxtase longo:
“Como esta menina está gorda, bonita!”
“Como esta menina está gorda, bonita!”
E ela ri de prazer. Seu rosto redondo
Esconde os olhinhos no fundo, a brilhar.
Às vezes no quarto,
Diante do espelho;
Ao ver-se tão gorda, tão gorda, tão gorda,
Ela pensa nas velhas amigas de sua mamãe
E também num rapaz
Que a olha sorrindo,
Quando toda manhã ela vai para a escola:
“– Ele gosta de mim… Ele gosta de mim.
Eu sou gorda, bonita…”
E os dedos gordinhos pegando nas tranças
Têm carícias ingénuas
Diante do espelho."
Rui Ribeiro Couto
Espécie de começo
- A voz está sozinha- disse minha mãe, ainda eu estava no seu ventre, a ler-me poesia.
- Não por muito tempo- responderam àquela que me iniciava na língua. E eu nasci na sequência de um ritmo.
Eu nasci para acompanhar a voz, fazê-la percorrer um caminho. De um lado a outro do percurso, não sei o que existe,
o caminho caminha,
eu deslumbro-me quando o tempo se suspende,
e me permite parar a contemplar o espaço sem tempo. "
Maria Gabriela Llansol, Onde vais drama-poesia?
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Delícias claustrais
e a tua gratidão pelo meu riso traduz-se em
ofertas do claustro à minha gula.
Come bolachas, rapariga
Come bolachas.
E eu recuso.
Recuso um rebolar para a redenção
num jeito de lufa que seria
menear de generosos quadris
com gosto a biscoito de côco.
Recuso.
Que freiras enclausuradas
Dêem cabo do meu projecto de
um regime quase assim
Espartano.
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Política literária
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz."
Carlos Drummond de Andrade, Na Praça de Convites.
domingo, 7 de junho de 2009
Tempo de montanha
Haverá sempre um mau humor de tempestade?
Com dias assim escuros carregamos o peso do mundo nos ombros
ou somos esmagados por esse peso sobre nós?
Apetece mesmo ir para a montanha.
(Heidi rapariga das montanhas
não passa cartão aos rapazes da planície)
Noites ao relento
Estrelas, algumas cadentes
Esterco nas unhas e nenhum verniz
Cigarras pirilampos e lobos
Aaauuuuuuh
Água gelada de rio
Pedras limosas e joelhos esfolados
Mais aquela simetria
Estrada tortuosa
Campos de trigo
E o som da ondulação do vento
Cssss Csss Csss Csss
(que é igual a um estremecimento de alma)
Nada mais que isto apetece.
segunda-feira, 25 de maio de 2009
Regresso
E eu sem saber o que é casa, com isso sinto com mais força.
Hoje a minha pátria ainda é a minha língua.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
Contrariedades
se há uma cabeça
entre as nuvens
porquê umas ancas
que puxam ao chão?
se há um pensamento
rápido rápido
porquê uns caracóis
vagarosos no cabelo?
se há poder de
|concentração|
porquê tantos
estragos acidentais?
se a adolescência
está mais que passada
porquê borbulhas
a melindrar-te o humor?
é melhor contra-atacar
agir depressa
isto é
a revolta do corpo.
(Para X, com graça)
quarta-feira, 20 de maio de 2009
No caminho da luz
É essa a sua virtude."
José Saramago
(ou internauta Zé)
segunda-feira, 18 de maio de 2009
Calcanhar de Aquiles
(penosa fragilidade)
Não é tarde nem é cedo
para uma bengalinha.
Isso ou então ainda hei-de dar
um pé de dança
na Danceteria Arrasta-o-pé.
Grandes elogios
Só ainda não encontraste o teu tom.
Foi isto o maior elogio
ou
a mentira mais piedosa?
sábado, 16 de maio de 2009
Resíduo
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
(...)
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
-vazio- de cigarros, ficou um pouco.
Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
(...)
Se de tudo fica um pouco,
mas porque não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
(...)"
Carlos Drummond de Andrade, Tentativa de Exploração e de Interpretação de Estar-no-Mundo
A J, que carrega o peso de ter
um coração puro
(e um pouco de mim?)
Encomenda (in)esperada
Entre os teus papéis
Pós de cozinhar
Pós de açúcar
(Entre tantos pós que me mandas
Poderei um dia ser acusada
de narcotráfico?)
Entre os teus papéis e pós,
Cogumelos e bilhetes
Exposições e postais
Lomofotos e Kandinsky
Uma bússola.
Para não perder o norte?
Quadrilha
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."
Carlos Drummond de Andrade, Uma, Duas Argolinhas.
(História de amor
ou banditagem?)
sexta-feira, 15 de maio de 2009
Fábula do quotidiano
Um dia destes, enganou-se, fartou-se, revoltou-se:
Deu milho aos gatos e rim aos pombos.
Eu? Não disse nada.
Quem se intromete na vida alheia, corre o risco de fazer parte dela.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Fora de horas II
Pela tua voz, estás recuperada.
Sim.
Eu emagreci vinte quilos.
Deixei de fumar.
Não estou mais feliz.
(gostava de poder prometer
que é a última vez que falo aqui
em doenças)
Eu queria dizer-te
que o Marlon Brando
me lembra de ti.
Transgressor
Subversivo
(e houve alturas
em que fomos um espelho
ou
projecções do mesmo
separadas no tempo)
Podemos partilhar
um certo prazer
na decadência?
terça-feira, 12 de maio de 2009
Informação nutricional
tem oito vezes mais cálcio
do que um copinho de leite.
(e um dia isto bastou
para eu ter ossos e dentes
mais fortes)
Com a saúde não se brinca.
Maladies sistémiques
(et mes anches ont grossi)
J´ai les yeux qui brillent
On dit
C´est pour la santé...
(et malgré ça,
l´air sérieux
d´enfant fragile
me manque
toujours un peu)
sábado, 9 de maio de 2009
Processo criativo
Hmm hmm hmm
Les affreux de la création."
Serge Gainsbourg
Na curva do horizonte
O VIAJANTE Vou de viagem. Não sei se chegarei, mas não posso deixar de partir.
CORO I Porque não páras?
CORO II Porque não páras?
O VIAJANTE Não vale a pena ficar sempre no mesmo sítio.
A RAPARIGA Nem quando é belo?
O VIAJANTE Nunca.
CORO I Nunca?
CORO II Nunca?
COROS I e II Mas esta noite houve qualquer coisa diferente.
O VIAJANTE Havia menos estrelas.
COROS I e II Não. Era a lua que brilhava mais.
A RAPARIGA E o meu corpo era um espelho.
CORO I Fica. Voltará a noite.
CORO II Voltará a noite.
Pausa
O VIAJANTE Tenho de andar mais.
CORO I Mas estás triste.
CORO II Estás triste.
O VIAJANTE O horizonte é uma curva.
CORO I E depois?
CORO II E depois?"
Fiama Hasse Pais Brandão, Em cada pedra um voo imóvel.
(Na curva do horizonte
andemos devagar
por causa dos enjoos)
E depois?
quinta-feira, 7 de maio de 2009
Desengates
Nunca percebi como é que qualquer coisa como
Do you like my tight T-shirt?
pode juntar duas pessoas durante tantos anos.
Deve estar a escapar-me
alguma destreza sentimental.
Ou então serei mais de desengates.
As melhores frases estão em músicas.
Um Lou Reed menos fresco
A lamentar-se
Who thought this could happen to us
when we first went to bed
Não conta.
Nem casamentos falhados.
Um desengate é ligeiro
(igual a um engate só que ao contrário)
Sorry baby, but except
Bob Dylan
we have nothing in common.
(dá vontade de mandar à fava alguém
pelo prazer de uma frase assim)
É Maio e está calor?
É o tempo dos desengates.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Iruña
E foram oito horas de carro só para isto.
Já não há fronteira e eu nunca gostei dos caramelos.
Gostava mesmo era do quarto andar do Inglês Cortado
e de todos os peluches que recebi.
Chicas tombadas e móteis de beira de estrada.
Já sabemos quanto custa a denúncia de não usar cinturão.
A paisagem entre nós.
Montanhas e campos.
Eu a insistir na banda sonora.
Tu a insistires no silêncio do motor.
Bananas no banco de trás.
Montanhas e campos.
Restaurante-cafetaria e camionistas.
Parece mesmo que estamos no Texas
(não fossem os chouriços dependurados às moscas
e poder fumar-se em todo o lado).
Estamos em terra de padres e seitas
mas hóstia aqui é um palavrão.
E eu nunca pensei subir tão alto como um 13º andar
mas parece que
comer especialidades claustrais
de conventos tirsenses
ajuda à ascensão.
(trabalho na minha obra de redenção
com bolachas de côco e gengibre).
terça-feira, 21 de abril de 2009
Clementine
The Eternal Sunshine of the Spotless mind?
E esta vontade de pintar o cabelo cor de tangerina?
É verdade que todas as bad girls do cinema têm cabelos assim?
(a Pipi das meias altas também conta?)
Esta vontade
dessa cor
Não é nada positiva.
segunda-feira, 20 de abril de 2009
Technical talk
kind of
coffee-addicted
junkie
denuncia-me:
Há work in progress.
(Caixinha a caixinha)
Estou a fazer um poster.
Powerpoint
ou
O poder do ponto?
(Caixinha a caixinha)
E há um gato de barriga pelada
que amassa o meu tricot
e brinca com peixes de prata.
"É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela!"
Nietzsche
sábado, 18 de abril de 2009
Miopia
Do ser míope:
Vejo pássaros a voar,
E são sacos de plástico.
Posso ter amizades sinceras,
E não vejo que são paixões.
Eu achava
Era um homem
Mas mais perto
Só um rato.
Vi cavalos a galope
Onde estava afinal
um pónei
Com problemas
no trote.
Urgente para evitar
distorções
É consultar um Oftalmologista.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Question de genre
"J´ai deux points communs avec Mickey Mouse: de grandes oreilles et une longue queue."
"La queue c´est féminin, le con masculin.
Question de genre."
Serge Gainsbourg
Dia X
E eu sei que querias manter isto em segredo.
Respeito a tua vontade
(mais do que temo as tuas ameaças)
Mas é mais forte do que eu.
Celebramos em silêncio?
Deixa-me sussurrar ao teu ouvido:
P*******!
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Le feu rouge (Fogo Vermelho)
- Estás a conduzir, aproximas-te de um cruzamento.
O semáforo fica vermelho.
Sabes que, se quiseres, ainda tens tempo de passar.
O que é que fazes?
- Mmmm... Acelero, arrisco o acidente?
- Não. A resposta certa é sempre a mesma.
Páras.
- Tens razão.
Não quero problemas com a lei.
segunda-feira, 13 de abril de 2009
Passagem de Ceuta
De mochila às costas e mãos vazias.
E eu vi mulheres de vestidos compridos
Que ocultam tudo
Pacotes de arroz, farinha, leite
Detergente da louça.
Vi clandestinos
Escondidos em socalcos
Em encostas de terra e de lixo.
E nunca tive medo
Que me roubassem o passaporte.
Porque eu tinha as mãos vazias.
E uma identidade tatuada mais fundo.
Inscrita dentro de mim.
Sarajevo meu amor
Eu não acredito que neve em Sarajevo.
Para mim, em Sarajevo faz sempre aquele calor tórrido do Verão em que nos (des)encontramos.
Sarajevo e eu, lânguida de doença e suor, a arrastar-me entre limonadas, café com borra e gomas de açúcar.
De repente, dois estranhos.
Fotografada entre turistas, pombas e marcas de balas, Sarajevo foi para mim um não respirar de tantas sepulturas.
Tu dizes e eu não acredito.
Não neva em Sarajevo.
Mas Sarajevo é a tua cidade e não a minha.
Desta vez sou condescendente.
Deixo-te escolher o tempo.
Uma questão de meteorologia
tão influenciável
pelas tempestades
as marés
as luas
a fome
a sede
o sono
o calor
o frio
(especialmente o frio)
e tudo o que de resto é fisiológico em mim
ou então terrestre
eu não me ralava
Mas como eu sou
uma pessoa assim
tão influenciável
hoje não posso deixar de estar muito telúrica
com esta chuva maldita.
Em dias assim
queria mesmo muito morar no deserto
(nem que fosse magrebino)
e ter como únicas tempestades
as tempestades de areia.
domingo, 12 de abril de 2009
Beethoven- curso de Inglês- Geor
A contar como magoei o dedo na máquina de fazer bolos da Mãe.
- Sabes, Pai, não doeu.
Eu, a pedir:
- Vamos para a paia no tactor apanhar aquilo....
- Sargaço?
- Sim, sagaço!
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Grandes descobertas
O melhor dos muesli são as bananas secas.
(o pior são as passas)
Os muesli comem-se com iogurte natural.
Às vezes também sem mais nada.
Ciclicamente, mergulho bem fundo à cata de bananas.
Por causa da serotonina.
Esta noite sou uma revolvedora de cereais.
Em busca das bananas perdidas.
quarta-feira, 8 de abril de 2009
Estação do Oriente
Seremos amantes indiscretos e a rodear-nos teremos montanhas rochosas que vão abafar os teus suspiros e as minhas gargalhadas.
Vamos comer com as mãos ou com os pés e boiar durante uma boa parte do dia sem pensar no grande nada, só seguir as nuvens.
E tu podes dar-me de presente um paradoxo: a ternura de um trompete a soprar música ao meu coração.
E eu vou ter olhos em bico que me farão parecer bastante enigmática. E poderei dar-te os nossos bebés em gritos silenciosos e eles serão gordos e rosados, cheios de saúde e de expectativas.
Vamos viver violentamente um amor calmo.
Um dia, se me chateares muito, empurro-te à traição e vais conversar com os peixinhos.
Este é o meu primeiro post sobre viagens. Talvez se sigam outros.
Parabéns
Quando foste uma fada, vestida de branco e de varinha em riste e eu de punk, a levantar-te a saia.
Quando achava que ser punk era vestir-me de gangas com os óculos de sol da minha Mãe.
E lábios às cores.
Vermelho e preto.
Quanto tempo já passou desde que te obriguei a ir correr no parque de raquete em punho?
Atrás de rapazes.
Lembrei-me de nós.
Quando tu só sabias assobiar ao contrário.
Para dentro.
(Hoje assobiamos no escuro)
Eu a queixar-me de não gostares de gatos.
E tu, anos depois, a co-habitar.
- Mas se elas fugirem, nem penses que pego nelas.
Do teu livro preferido:
- Ariana, rapariga russa.
O teu passatempo inconfessável aos 8 anos:
-Passar a ferro.
E que já gostaste de novelas venezuelas dobradas.
- Estrelinha, a pobre coitada que cegou.
Lembrei-me de nós agora.
Eu em cinzentos.
Desintegrações cíclicas mensais.
Tu mais preto e branco.
- Massa com atum.
Na cozinha.
Dos ajustes da amizade:
- Eu aprendo a emprestar livros se tu aprenderes a emprestar filmes.
O teu risinho mordaz.
-Precisas de um harém?
O nosso riso junto quando me declarei:
- Em fase pró-homem.
Lembrei-me de ti adolescente enlevada.
Em Paris, à procura da rua onde o Jean-Paul Belmondo foi assassinado com um tiro no fundo das costas.
À queima-roupa.
- Aquela conversa de cama é maravilhosa.
Teremos tempo para chegar aos sete amantes?
Um dia vamos ter uma conversa igual.
Entretanto, tens sempre os meus chás de tudo.
Trazes-me supremas de chocolate?
segunda-feira, 6 de abril de 2009
Aviso à navegação
-Não me faças promessas dessas.
Arranjas sarilhos na meia-idade.
Se quiseres, casamo-nos.
- Olha o que te digo.
Não te deixes enganar por ameaças de candura.
Ramos de flores aos Domingos.
- Abre o olho.
Não sou nenhum pássaro caído do ninho.
Flores silvestres?
- Desengana-te.
Eu tropeço mas não caio.
Piqueniques.
- Sou fora-da-lei.
Quase ruim.
Com sorvetes?
-Faço parte de um bando.
Um bando à parte.
330
- De quem é essa opinião?
- Minha, naturalmente.
- Julguei que fosse a de um cavalo."
Vergílio Ferreira, Pensar.
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Fruta da época
Decidi mudar.
Troquei a noisette por nougatine.
Bastam 30 minutos.
Tom sobre tom.
É mesmo verdade o que dizem das mulheres e os cabelos?
Tom sobre tom.
Gostes ou não.
É a fruta da época.
E a época é de Sol.
História triste sem final
O meu irmão mais velho é o Vasco.
Gosta muito de leituras.
Quando me vem ver, diz-me:
-Não digas a ninguém que estás doente. Põe-te bem, afasta a doença.
Ele diz-me isto e tem lágrimas nos olhos.
Sabe, as pessoas às vezes não sabem falar com os doentes.
As minhas amigas são velhas como eu, mas estão melhores do que eu.
Dizem:
- Fulano também tinha uma úlcera assim. Infectou de fora para dentro e teve que amputar a perna.
E eu não sou de cismas mas fiquei a pensar nisto e não consegui dormir.
O nosso irmão mais novo era piloto e foi o primeiro a partir.
Íamos visitá-lo e o Vasco dizia:
-Quando saires daqui, levo-te a um stand e escolhes o carro que quiseres. Eu ofereço-te.
Ele estava mesmo magrinho, mas o Vasco é assim. Não conseguia aceitar que ele nos ía deixar.
Já sofri muito. Casei-me e divorciei-me duas vezes com o mesmo homem.
Ele era como uma borboleta, de flor em flor.
Uma das amantes escrevia-me bilhetes. Sabia que era eu que lhe tratava da roupa.
Marcas de baton nas camisas, nas cuecas. E eu lavava.
Deixava-me bilhetes no bolso do casaco.
-Quem é a puta afinal? Eu passeio com ele, tu lavas e engomas.
Eu guardava os bilhetes. Achava que me podiam servir para alguma coisa. Um dia juntei-os e queimei-os todos.
Quando ele me deixou, casou-se com ela.
Hoje somos as duas viúvas.
E eu já fui tão infeliz. Só quero não ter dores.
terça-feira, 31 de março de 2009
Paris
EPC, tudo o que não escrevi.
segunda-feira, 30 de março de 2009
Bichos
Tu, de mãos em concha, a salvar abelhas de choques frontais contra os vidros da nossa sacada.
Tínhamos colmeias na cidade e também tivemos mel no campo.
Mostraste-me os bichos-de-conta e eu nunca tive medo. Nem de sapos.
Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.
Junto à nossa casa havia uma confeitaria e foi assim que conheci as baratas. No início queria apanhá-las e dar-lhes alface, eram quase grilos.
Foste tu que me explicaste que nos podem transmitir doenças, que é só de costas que parecem grilos.
Também disseste que se comesse sempre as sementes das melancias, iria crescer-me uma árvore de melancias na barriga.
E ríamos as duas. Tu do meu pensamento mágico. Eu da ideia do meu ventre a crescer com o fruto, dos ramos verdes a procurarem luz pelos meus ouvidos, pelas minhas narinas.
Eu a querer falar e em vez de palavras, folhas verdes.
A imagem da melancia nunca me deixou.
Nem o asco das baratas.
Agora que os meus vizinhos são Chineses vejo-as mais vezes.
A situação agravou-se com um conto do José Cardoso Pires, "As Baratas".
Leiam só:
Franzisko K. transformou-se assim num erudito e pertinaz despredador desta família de insectos. Blattae blattidiae, exconjuro vobis, o coeli, parecia ele congeminar, à maneira de exorcismo, quando investigava à lupa o cadáver das baratas. Estendidas de costas (era assim que a morte as deixava, de costas e na posição sacramental) as baratas tinham as patas cruzadas sobre o peito e as antenas pendentes, emurchecidas. Mas não nos iludamos, em vida aquelas criaturas mesquinhas desafiavam a tenacidade do homem: prolongavam-se para lá dele com uma indiferença suicida.
Estendidas de costas, na posição sacramental? Tive pesadelos depois disto.
Ainda agora tenho suores frios ao passar na estação dos Combatentes. Desvio o olhar e controlo o pânico.
Estúpidos painéis a armar em arte, baratas quase tridimensionais em grafismo pop.
Tornei-me impiedosa de Raid em punho. Contra as cucarachas, pulverizo pela calada da noite portas alheias.
De resto, sou bastante boazinha.
Tenho uma aranha a fazer teia na varanda.
E um gato convalescente.
Diário
Eduardo Prado Coelho, tudo o que não escrevi.
domingo, 29 de março de 2009
Fora de horas
Somos duas mas até parecemos menos.
Os nossos olhos falam sempre mais do que queremos e os meus olhos que se fecham vêem os teus olhos que se fecham.
A estrada é sempre igual e eu luto contra o meu sono para te manter acordada.
-Conta-me como é ter um filho.
-Parece que tens um isqueiro aceso a queimar-te por baixo. Isso é a cabeça e depois já não custa nada.
(Stop)
Remediamo-nos com pouco, uma hora de descanso, café com leite e blueberry muffins.
Estou em trânsito. Não dou bons-dias e evito os espelhos. Eyeliner e olheiras.
Preciso de um banho para ser uma pessoa outra vez.
(Stop)
É Domingo, está vento. Estou de volta e os acentos também.
Obrigada pela solidariedade de uma noite em claro.
quinta-feira, 26 de março de 2009
Rapariga da caixa (historia rapida sem acentos)
Eu de cinta demasiado descida para 0cultar a boia, partimos a velocidade possivel rumo ao fim da cidade.
Desculpa, mas nao sei se estou apaixonada. O meu coracao tropeca quando te vejo (e eu com ele) e beijo-te em bicos de pes para nao fugires. Preciso de tempo para saber: das-me uma semana, um mes, um ano?
Entretanto, pergunta-me outra coisa.
O que e que voce vai fazer Domingo a tarde?
terça-feira, 24 de março de 2009
London calling
Would have drunk Martinis
(Will listen to them instead)
London calling
Pack my bag to 10ºC
(Warm temperature for a heart of stone)
London calling
God shave the Queen
With a Philishave machine.
segunda-feira, 23 de março de 2009
Redenção
Trato as dores alheias com compotas e sumos naturais
(e comove-me que isso te comova)
Ajudo velhinhas demenciadas,
Dou boleia a desconhecidos,
(posso até dar-lhes todo o meu dinheiro)
Ofereço todo o meu mau génio e alguns dos meus cactos
Em troca de um pouco de paciência.
Meto-me à pressa dentro de um avião
Só porque precisas de mim.
Férias
Lembrei-me de outras férias. A nadar só de sandálias e a secar-me em cima de uma pedra. Olhos fechados e era um lagarto.
E não consegui segurar as lágrimas com tantos espinhos de ouriço cravados no meu joelho a latejar. Um dia, o meu rosto foi sal, lágrimas e sardas.
Dobrila, hoje lembrei-me de ti.
Que passaste fome e foste trabalhar debaixo de bombas, enquanto a NATO não queria perceber que eram pessoas e também eram Europa ou que os ataques eram reais ou qualquer outra desculpa que ninguém entendeu.
Que não querias sorrir para a fotografia por teres os dentes estragados.
domingo, 22 de março de 2009
Nevroses
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
E agrado a poua gente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para as sopas...
O obstáculo ou depura ou torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Cesario Verde- Contrariedades.
Dimanche après-midi II
Fui resgatada da minha miséria humana dominical com pizzas e Coca-cola.
E o Jean-Paul Belmondo é um jovem ladrão de automóveis à minha espera.
Dimanche après-midi
Desliga o triciclo eléctrico, hoje não quero que jogues às limpezas nem aos polícias com o avô.
Não quero os vossos cheiros nem as vossas conversas.
Hoje queria estar só a ouvir o silêncio e dói-me este pátio colectivo.
O Porto é uma cidade sem esperança nos domingos à tarde.
sábado, 21 de março de 2009
Bonjour tristesse
A seguir às alturas em que já vi tudo e nada me espanta, em que sou uma velha quase decrépita sem esperança na novidade, posso ser uma pequena de olhos prontos a devorar o mundo.
Hoje tenho 26 anos e não sou nada menos que isto. Por isso, apetece-me mesmo dizer alegremente "Bonjour tristesse".
Pensées, provoques et autres volutes
Pensées, provoques et autres volutes.
É um bom subtítulo, posso usurpá-lo.
Não garanto assiduidade, mas gostava de vos ter por perto.