No silêncio da noite, enérgico,
corrijo tuas cartas mal escritas
e procurando nas palavras ditas
uma que não consigo encontrar,
corto em desacordo ortográfico
subjectivos e dúbios sentidos
que tuas palavras insistem ter.
quarta-feira, 22 de maio de 2013
domingo, 5 de maio de 2013
Na cozinha
Fsst
Abre-se a porta do frigorífico.
Xssssh
Abre-se a torneira, máximo 3 segundos.
Tac
Um corte curto de faca sem grande resistência.
Shlac shlac
Duas dentadas.
Em quatro sons
eu adivinho que comeste um morango.
(mas não encontro os quatro
sons ou os gestos simples
para desfazer uma zanga)
Abre-se a porta do frigorífico.
Xssssh
Abre-se a torneira, máximo 3 segundos.
Tac
Um corte curto de faca sem grande resistência.
Shlac shlac
Duas dentadas.
Em quatro sons
eu adivinho que comeste um morango.
(mas não encontro os quatro
sons ou os gestos simples
para desfazer uma zanga)
Condições do telurismo
Eu sou telúrica se o telurismo
incluir a areia da praia.
Eu sou telúrica nos dias
em que não sou aérea.
incluir a areia da praia.
Eu sou telúrica nos dias
em que não sou aérea.
Da montanha com desamor
Quando as fundações da montanha mágica cederam houve uma mão que
agarrou a nossa e, sem garras mas com vigor, sustentou o frágil
edifício, quase ruínas, que nós fomos.
A comunhão de um sentimento telúrico, talvez a dois tempos, juntou a necessidade com a vontade e indicou-nos o caminho a seguir.
Por agora escrevemos com desamor, mas com amor agradecemos que esta alma de tirana natureza se deixe acompanhar. Esperamos, sinceramente, ter força e habilidade para subir as ladeiras do caminho, assim como para não nos deixarmos por ele dominar.
O edifício fragilizado está hoje em avançadas obras de recuperação.
Talvez a melancolia desapareça e um dia haja espaço para sermos sinceros.
Talvez nesse dia, francamente, nos apeteça deixar de escrever.
Entretanto, muito agradecidos, vamos por este caminho fora contando o que nós somos.
Da montanha, com amor.
sábado, 4 de maio de 2013
A ceguinha da rua dos Clérigos
Quando eu era pequena não gostava de vir ao Porto.
Não havia auto-estrada e eu chegava sempre enjoada.
Vir ao Porto era vir ao médico, ao dentista, às lãs, a compras ou à feira do livro.
Lanche incluído, muitas vezes à volta de Carlos Alberto.
Nunca gostei dos éclairs de chantilly da Leitaria da Quinta do Paço de que a tia Mila falava.
Pendurada entre os braços dos meus pais, eu gostava mesmo era da ceguinha da rua dos Clérigos.
Acima da Bombom e abaixo da Vista Alegre, ficava ela, que era redondinha, encaixada num banquinho a entoar o mesmo estribilho.
A bengala era metálica daquelas que desenrolam e enrolam para um tamanho bem maneirinho, mas o que eu gostava mais era do cofre, verde com código e chave, pequeno à sua (nossa) medida.
No fim do lanche tornou-se um hábito surripiar as moedas que os meus pais deixavam de gorjeta, não sei se para proveito próprio, ou simplesmente porque nasci forreta e achava o excesso de dinheiro um despropósito.
À ceguinha da rua dos Clérigos nunca neguei as moedas que lhe depositava fielmente no cofre.
Quem quer deixar uma esmolinha para ajudar a ceguinha?
Quem quer deixar uma esmolinha para ajudar a ceguinha?
Quem quer deixar uma esmolinha para ajudar a ceguinha?
Não havia auto-estrada e eu chegava sempre enjoada.
Vir ao Porto era vir ao médico, ao dentista, às lãs, a compras ou à feira do livro.
Lanche incluído, muitas vezes à volta de Carlos Alberto.
Nunca gostei dos éclairs de chantilly da Leitaria da Quinta do Paço de que a tia Mila falava.
Pendurada entre os braços dos meus pais, eu gostava mesmo era da ceguinha da rua dos Clérigos.
Acima da Bombom e abaixo da Vista Alegre, ficava ela, que era redondinha, encaixada num banquinho a entoar o mesmo estribilho.
A bengala era metálica daquelas que desenrolam e enrolam para um tamanho bem maneirinho, mas o que eu gostava mais era do cofre, verde com código e chave, pequeno à sua (nossa) medida.
No fim do lanche tornou-se um hábito surripiar as moedas que os meus pais deixavam de gorjeta, não sei se para proveito próprio, ou simplesmente porque nasci forreta e achava o excesso de dinheiro um despropósito.
À ceguinha da rua dos Clérigos nunca neguei as moedas que lhe depositava fielmente no cofre.
Quem quer deixar uma esmolinha para ajudar a ceguinha?
Quem quer deixar uma esmolinha para ajudar a ceguinha?
Quem quer deixar uma esmolinha para ajudar a ceguinha?
Da montanha com amor
Quando comecei a servir-me realmente deste blogue, havia duas estacas fundamentais a sustentar-me:
Havia a Montanha Mágica, lida e relida, eu própria encarnada em jovem contemplativa acometida por uma real petite tache humide, a sofrer a doença de alguém muito querido.
Havia a prosa singela de Torga e todo o sentimento de melancolia e sinceridade que é uma forma do meu sentimento de ser português.
Passaram quatro anos e algumas coisas mudaram.
A este sítio que tem servido de eco a pensamentos, sátiras e à minha poesia, chegou o tempo da partilha.
Este caminho já não o quero percorrer sozinha.
Esperando que juntos sejamos maiores que a soma de cada um, apresento-vos, e apresentou-se, o Luís, por agora de Medranhos.
Aqui continuamos.
Da montanha, com amor.
quarta-feira, 1 de maio de 2013
Por Amor
Sem se alongar muito por histórias de miséria humana que nos
invadem a alma de tristeza e de algum nojo, talvez
sem reparar nos corpos
nauseabundos, metalizados lentamente pelo tempo, roupas sujas e higiene que não
podemos sequer imaginar,
sem querer ouvir os relatos que não lhe contam nem receber
as bênçãos que têm para lhe dar,
num ritual mais divino que humano, lava-os, deita-os e,
enquanto os penteia e acaricia, entoa canções de embalar.
Recebe assim amor quem por amor mendiga.
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