terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Da cave na colina

Gira em modo repeat
no leitor
em modo repeat
em modo
modo modo
Com velada intenção de autocomiseração
Outro dos mortos antes do tempo
Este o nomeado Elliott Smith.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Vigia linguística

Da vigia montada para espreitar o mar
Experimentando o binóculo de longo alcance
Havia de se espantar o Homem
Vejo até os advérbios a passar nos barcos.

Comédias e provérbios IV

Atordoada na traição de quem mordeu o isco
É a rabiar e com o fôlego que lhe resta
Que prova ainda a condenada tainha
O significado de se ter sangue na guelra.

Pesca grossa

- Não percebo o que leva os homens a pescar. Talvez a cana seja um prolongamento do eu? Um super-ego que atiram para longe?
- Pode ser. Um super-ego. Com uma minhoca na ponta. E a verdade é que esse lançamento sempre me afligiu. Tinha medo que o anzol me cegasse dum olho.

Shark II

De toscas letras amarelas
Balança o barco a remos no cais
Tímido e desolado
Pelo nome feroz que lhe puseram.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Manifesto linguístico

Eu gostaria de ter um dia audácia
e escrever em caixa alta
o que parece insultuoso
como um grito de palavras.
Ou então escrever
silenciosamente
modestamente e em minúsculas
(o meu nome todo
corrido
em série de caracteres
todos ao mesmo nível)
E usar onomatopeias
saltando os dicionários
a criar palavras novas
reproduzindo
o ribombar dos trovões.
Ou mesmo palavrões
picha-caralho
buceta-foda-se
merda
puta-puta
puta
como devem fazer
os escritores modernos.
Exclamar entusiasticamente
para parecer
extremamente feliz!!!
ou simplesmente pateta.

Por tudo aquilo que
não consigo,
Serei na verdade bastante
conservadora ou purista
Sem ser erudita escreverei
Odiando o acordo ortográfico
Amando as expressões brasileiras
Escreverei
semi-nua
(escorregando
para ser cheesy
pelas palavras estrangeiras)
como se houvesse
gente
que fala por mim.
Fazendo assim
poderei andar à toa
e ser finalmente

coerentemente
INCOERENTE.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O eterno amoroso

Ao jantar

experimentando a cozinha regional
- eu vestindo riscas com ar bastante bretão-
entre escargots aux fromage e vinho tinto
Tagarelamos.
A nova musa atende o telefone enquanto pica um pratinho de miúdos de anho.
Chamámos-lhe H. number two sem maldade, é homónima da antecessora.
Fala em espanhol.
O eterno amoroso perguntar-me-á em jeito semi-retórico, como quem quer provocar uma reacção:
- Sabes com quem fala? Com o marido.

Alheia à problemática da pobreza na Bolívia, da imigração ilegal e do prazer da bigamia, eu responderia, rimando, antes de retomar o maigré de canard:
E depois?
Incomodam-me bem mais os órgãos que come
Do que o número de homens com quem dorme.

Particularidades

Qu´est-ce que tu racontes de beau?
Inquirindo novidades, pergunta assim um amigo francês.
(Beleza está nesse jeito de querer saber o que conto eu de belo)

Biologia marinha

O fugu.
Segue nadando, comendo plâncton e acumulando ira.
De tanto acumular, há-de explodir.
Num gordo e letal balão de espinhos.
De seguida?
Seguirá nadando.
Comendo plâncton.
Acumulando ira.


Plâncton (do grego planktos, errante).

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Comédias e provérbios III

Laranja.
De manhã é ouro
À tarde prata
À noite mata.

Gomo a gomo
se segue
executando
uma sentença.

Caos musical

Cessou a balada
do bom humor inabalável.

Abalados pela tempestade
emudeceram os músicos
soltaram-se as cordas
torceram-se as tubas
voaram os pratos
escangalharam-se as
con-cer-tinas
e mesmo os foles
das gaitas
se esfarraparam.

Contingências do verbo III

Ele repara no seu gesto inadvertido de piscar o olho e comenta.
Ela replica prontamente, com a avidez de conhecimento de quem quer muito aprender uma língua.
- C´est du trix? Qu´est-ce du trix?
Haverá gargalhadas a dois tempos.
Ele trocista. Ela encabulada.

Contingências sim.
Do verbo ou da sedução?

Adventus

Um dia.
Seremos várias,
alisando fetos que transportaremos
na barriga.
E, entre desejos absurdos,
flutuações de humor
e um estado de
imunodepressão fisiológica,
Dos nossos lábios,
após a náusea matinal,
sairão palavras líricas
entoando ternas baladas
carregadas de inesperado
instinto maternal.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Comédias e provérbios II

A nova femme du ménage
(obstinada)
faz os meus vidros reluzirem
ignorando
(com orgulho czarino
e astutos malares)
a pilha de roupa que se acumula
em frágil equilíbrio
por passar.

Eu, de patroinha petulante, disparava,
Em Roma, sê romana.
Mas enfim consinto, resignada...
Quem tem telhados de vidro,
não atira pedras.

Comédias e provérbios I

Num final de tarde, a cauteleira invisual é diligente empurrando o seu homem paralítico pela passadeira.
Assim se percebe.
O amor é cego.

E também aleijadinho?