segunda-feira, 25 de junho de 2012

Voz de peito

Para coitados que
(como eu)
desafinam

Recomenda o tenor
a voz de peito
(espécie de personagem secundária)

E eu despeitada
Não sei onde vá buscar o peito
Que me encha a voz.

domingo, 24 de junho de 2012

The girl with many eyes

One day in the park
I had quite a surprise.
I met a girl
who had many eyes.

She was really quite pretty
(and also quite shocking!)
and I noticed she had a mouth,
so we ended up talking.

We talked about flowers,
and her poetry classes,
and the problems she'd have
if she ever wore glasses.

It's great to now a girl
who has so many eyes,
but you really get wet
when she breaks down and cries.

Tim Burton, The Melancholy Death of Oyster Boy And Other Stories

terça-feira, 12 de junho de 2012

De acordo

Em inglês com a paciente ganesa
num discurso cheio de zzzz-zzzz
repete diversas vezes
(em inglês que por cá
é seguramente acima da média)
I´m agree I´m agree
Assim como quem diz
Je suis d´accord

segunda-feira, 11 de junho de 2012

As pombinhas e os meninos

Para C. 
(a minha Mãe)

Quando eu era tão pequena que quase não era gente
a minha Mãe vinha embalar-me com música e festinhas

A minha música preferida era a das pombinhas
Qualquer coisa como
As pombinhas vão voando
voando vão à porfia 
a ver quem chega primeiro
aos pés da Virgem Maria

Todas as vezes que eu pedia à minha Mãe para a cantar
ela respondia
Mas tu choras.
Eu prometia que não, claro.

Sempre que a minha Mãe chegava a
Foi tão grande a minha pena 
ao vê-lo tão pobrezinho
que as lágrimas dos meus olhos
lhe molharam o bercinho
eu soluçava sem parar
(ainda hoje me emociono)

Se existiu em mim crença divina
foi nesse Menino Jesus pobre através do qual a minha Mãe moldava
no meu egoísmo infantil a semente do dever da consciência social.

- Vês, Geor, há meninos que não têm brinquedos como tu, que não têm roupinhas.
- É tão triste.
- Vamos dar-lhes alguns dos teus?
- Dos meus não. Compramos uns novos. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

La France des mélanges

A senhora nonagenária ao nosso lado mastiga o kebab à velocidade que a dentadura postiça permite.
Nota-se que o lenço do pescoço é bom, já deve ter visto outros dias.
Tem o ar pouco asseado de quem tem perdido destreza para a higiene pessoal.
As meias estão rotas e os pés edemaciados mal cabem nos sapatos.
Tremelicando, do seu lugar à caixa com passagem pelo WC, demora quase meia hora.

Os turcos do balcão arrebitam-na com piadas e piropos.
Despedem-se À demain!

(E a mim o turco mais novo dos kebabs
diz
buenas noches, señorita)

 Oui, la France!

Tous les petits noms

Madame E
la dame charmante
avec qui
je maîtrise les gestes
tous les Jeudis matin

s´addresse à moi
comme
jeune fille 
mignone
ma belle
ma grande
ou même
ma petite puce

(e, no fundo,
não passo disso:
uma pulguinha)






terça-feira, 5 de junho de 2012

Les lattages

Si je devienne grande
aux hanches
La faute ne sera que
du fromage
(Chèvre!)

Les gens (en consultation) II

Mulher de meia idade, excesso de peso.
Indumentária rosa integral.
Penteado curto, eriçado com gel.
Loiro com madeixa rosa central.

Senta-se e larga em suspiro:
Hoje estou tão deprimida.


Les gens (en consultation)

- Para alguém da minha idade e que passou toda a 2ª Guerra Mundial em Paris, acha que estou mal?
- Bom, também não se pode dizer que esteja em plena forma.
- Pois, eu sei, mas não há maneira de engordar. Sabe que se for jantar ao restaurante, saio sempre com uma caixa com os restos?
- Um "doggy bag".
- Isso mesmo. Que prazer me dá ouvir falar americano. Sabe que vivi quarenta anos nos Estados Unidos? Aqui em Paris as pessoas não se respeitam, especialmente uma velha como eu. Tenho tantas saudades desse tempo. No fundo, tenho saudades sobretudo do meu marido. Se ele não tivesse morrido, não me sentiria assim deprimida.