Ultimamente evito escrever pela incompatibilidade dos meus
pensamentos com a liberdade de expressão. Entendam que, liberdade, cada um tem
a que quer.
Acontece que têm chovido telefonemas de infelicidade e
desamor. Um a um vão caindo os amores eternos que, com o meu, sustentavam o
mundo.
Com o universo aos trambolhões aqui vamos, serenos tanto
quanto nos é possível, construindo nos limites da angústia um novo e obrigado
futuro. Porque se engana quem crê que o futuro não nos pertence; é a felicidade
sonhada a maior perda que podemos sofrer.
Do outro lado do telefone sinto a angústia procurando paz.
Aqui vai:
Eu sou um calhau, nem muito grande nem muito pequeno, à
minha medida. Sou como aquelas pedras, mais ou menos da altura de um homem, que
existem pelas nossas serras, sempre prontas a rebolar. Mas eu não estou na
nossa terra chã: estou na serra alpina onde os ventos frios de nordeste me
lembram que tão cedo não vou degelar.
Ultimamente também, um calor primaveril derreteu algumas
lascas do gelo que se colava à minha pele. Os musgos, que não são para
brincadeiras, rejuvenesceram juntamente com a bicharada microscópica que
se animou. Com a bicharada vieram novos passarinhos e a tanta
animação veio juntar-se o passaroco que me costumava cantar.
Por vezes custa muito acreditar, mas quem conhece sabe que
no Inverno não se sai à serra sem agasalho; os dias que amanhecem soalheiros
acabam a nevar.
Estamos no Inverno. Achei por bem aproveitar aquela chuva de
que vos falei e, com o frio que está para vir, cristalizar.
Que quando vier um novo passaroco seja para se fazer cumprir
o Verão. Porque aos Invernos frios estão as pedras habituadas.
De qualquer modo, mesmo que assim não seja, sempre teremos na
natureza a nossa alma fractal que se renova em cada quatro estações.
Não há Primavera sem Inverno.
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