quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Primavera de São Martinho

Ultimamente evito escrever pela incompatibilidade dos meus pensamentos com a liberdade de expressão. Entendam que, liberdade, cada um tem a que quer.
Acontece que têm chovido telefonemas de infelicidade e desamor. Um a um vão caindo os amores eternos que, com o meu, sustentavam o mundo.
Com o universo aos trambolhões aqui vamos, serenos tanto quanto nos é possível, construindo nos limites da angústia um novo e obrigado futuro. Porque se engana quem crê que o futuro não nos pertence; é a felicidade sonhada a maior perda que podemos sofrer.
Do outro lado do telefone sinto a angústia procurando paz.
Aqui vai:
Eu sou um calhau, nem muito grande nem muito pequeno, à minha medida. Sou como aquelas pedras, mais ou menos da altura de um homem, que existem pelas nossas serras, sempre prontas a rebolar. Mas eu não estou na nossa terra chã: estou na serra alpina onde os ventos frios de nordeste me lembram que tão cedo não vou degelar.
Ultimamente também, um calor primaveril derreteu algumas lascas do gelo que se colava à minha pele. Os musgos, que não são para brincadeiras, rejuvenesceram juntamente com a bicharada microscópica que se animou. Com a bicharada vieram novos passarinhos e a tanta animação veio juntar-se o passaroco que me costumava cantar.
Por vezes custa muito acreditar, mas quem conhece sabe que no Inverno não se sai à serra sem agasalho; os dias que amanhecem soalheiros acabam a nevar.
Estamos no Inverno. Achei por bem aproveitar aquela chuva de que vos falei e, com o frio que está para vir, cristalizar. 
Que quando vier um novo passaroco seja para se fazer cumprir o Verão. Porque aos Invernos frios estão as pedras habituadas.
De qualquer modo, mesmo que assim não seja, sempre teremos na natureza a nossa alma fractal que se renova em cada quatro estações.

Não há Primavera sem Inverno.

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