sábado, 21 de agosto de 2010

A cidade queimada

Tantos pintores

A realidade comovida agradece
mas fica no mesmo sítio
(daqui ninguém me tira)
chamado paisagem

Tantos escritores

A realidade comovida agradece
E continua a fazer o seu frio
Sobre bairros inteiros, na cidade, e algures

Tantos mortos no rio

A realidade comovida agradece
porque sabe que foi por ela o sacrifício
mas não agradece muito

Ela sabe que os pintores
os escritores
e quem morre
não gosta da realidade
querem-na para um bocado
não se lhe chegam muito pode sufocar

Só o velho moinho do acordeon da esquina
rodando a manivela da trabuqueta
sem mesura sem fim e sem verdade
dá voltas à solidão da realidade

Mário Cesariny

2 comentários:

Anónimo disse...

A solidão somente.
A solidão só, mente.

Mesa para dois Sff.

Joel

Anónimo disse...

"E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos
E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites
não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos."

david mourão-ferreira


palavras de outros nos meus lábios

m