sábado, 16 de maio de 2009

Resíduo

"De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
(...)

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
-vazio- de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
(...)

Se de tudo fica um pouco,
mas porque não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
(...)"

Carlos Drummond de Andrade, Tentativa de Exploração e de Interpretação de Estar-no-Mundo

A J, que carrega o peso de ter
um coração puro

(e um pouco de mim?)

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