Tenho dois irmãos e são a minha família.
O meu irmão mais velho é o Vasco.
Gosta muito de leituras.
Quando me vem ver, diz-me:
-Não digas a ninguém que estás doente. Põe-te bem, afasta a doença.
Ele diz-me isto e tem lágrimas nos olhos.
Sabe, as pessoas às vezes não sabem falar com os doentes.
As minhas amigas são velhas como eu, mas estão melhores do que eu.
Dizem:
- Fulano também tinha uma úlcera assim. Infectou de fora para dentro e teve que amputar a perna.
E eu não sou de cismas mas fiquei a pensar nisto e não consegui dormir.
O nosso irmão mais novo era piloto e foi o primeiro a partir.
Íamos visitá-lo e o Vasco dizia:
-Quando saires daqui, levo-te a um stand e escolhes o carro que quiseres. Eu ofereço-te.
Ele estava mesmo magrinho, mas o Vasco é assim. Não conseguia aceitar que ele nos ía deixar.
Já sofri muito. Casei-me e divorciei-me duas vezes com o mesmo homem.
Ele era como uma borboleta, de flor em flor.
Uma das amantes escrevia-me bilhetes. Sabia que era eu que lhe tratava da roupa.
Marcas de baton nas camisas, nas cuecas. E eu lavava.
Deixava-me bilhetes no bolso do casaco.
-Quem é a puta afinal? Eu passeio com ele, tu lavas e engomas.
Eu guardava os bilhetes. Achava que me podiam servir para alguma coisa. Um dia juntei-os e queimei-os todos.
Quando ele me deixou, casou-se com ela.
Hoje somos as duas viúvas.
E eu já fui tão infeliz. Só quero não ter dores.
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1 comentário:
Já há muito que não tinha esta sensação.
Sofrer ao ler. Devagar, como que fecha os olhos. Sofrer pelo conteúdo, pela maravilha das palavras. Embater e depois cair.
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